Um respiro contra o câncer

Duas novidades que devem mudar o combate ao câncer de pulmão, o mais comum no mundo, foram divulgadas na semana passada durante o congresso europeu de oncologia (Esmo), em Madri. A primeira delas combate a doença num estágio onde não havia tratamento disponível. “Nós ficamos sem avanços nesse campo por muitos anos, décadas”, disse à ISTOÉ o médico que conduziu a pesquisa, Luis Paz-Ares. “Resultados robustos assim eram muito aguardados.” A segunda promete mudar a forma de cuidar de pacientes que sofrem de outro tipo de tumor pulmonar, mais avançado. “Nós concluímos que esse será o novo padrão de tratamento para pacientes com essa forma de câncer”, afirma o doutor Suresh Ramalingam, responsável pelo estudo.

A primeira pesquisa foi sobre testes clínicos do novo remédio Durvalumabe, que funciona inibindo uma proteína ligada à ação de células cancerígenas. Poderão usar o medicamento pessoas que tenham tumor de pulmão “não pequenas células” (mais de 80% dos casos) em estágio 3 (espalhado em vários pontos do mesmo órgão) que não possam ser operadas. Os cientistas descobriram que o Durvalumabe diminui pela metade a chance de a doença progredir, num período em que os médicos só podiam aplicar quimio e radioterapia e desejar o melhor – o que é incomum. Para 85% dos pacientes, o câncer acaba avançando. “Atualmente, tudo o que nós podemos fazer é esperar e observar”, diz Mohammed Dar, vice-presidente de biologia clínica da MedImmune, subsidiária da farmacêutica AstraZeneca, que desenvolveu o composto.

O segundo estudo foi sobre os exames do novo remédio Osimertinibe, que inibe mutações que ajudam o câncer a crescer. Poderão usar o medicamento pessoas que também tenham o mesmo tumor de pulmão “não pequenas células”, mas em estágio 4 (quando ele já se espalhou por vários órgãos) – e que possuam uma mutação no gene EGFR (que ajuda no crescimento do câncer e infelizmente é frequente, acometendo 15% da população ocidental e 35% da asiática). Descobriu-se que o Osimertinibe é 54% mais eficaz do que as drogas hoje existentes para combater essa mutação no que se refere à progressão do tumor. Ainda são esperados dados para se saber se ele também diminui o risco de o paciente morrer da doença, o que é plausível, porém que ainda não está provado em definitivo. “Atualmente, não vejo competição para esse tratamento”, afirma Klaus Edvardsen, chefe global de desenvolvimento de medicamentos oncológicos da AstraZeneca.

As duas novidades surfam na esteira do que é descrito como um a época de ouro no combate ao câncer, envolvendo imunoterapias (Durvalumabe) e terapias-alvo (Osimertinibe). Ao contrário da quimio e da radioterapia, elas poupam células saudáveis. Para entender como funcionam, imaginemos que os tumores sejam carros querendo chegar em casa. As terapias-alvo bloqueariam uma das ruas que pudesse servir de caminho, apesar de outras poderem continuar abertas. Já as imunoterapias usariam o próprio sistema de defesa do organismo para chamar a polícia e prender o condutor, independentemente do caminho.

As duas pesquisas ficaram entre os maiores destaques do Esmo, um dos maiores congressos do mundo na área. “Foram dois dos estudos mais importantes apresentados”, diz o médico brasileiro Fabio Kater, do hospital BP Mirante, em São Paulo. De acordo com a médica italiana Floriana Morgillo, da Segunda Universidade de Nápoles, “os impactos nas doenças são grandes, então se espero que sejam aprovados o mais rápido possível”. Ainda não há data confirmada para que as agências internacionais aprovem os medicamentos, mas a expectativa é que em até um ano eles estejam disponíveis ao público.

Impactos psicossociais da quimio são maiores que os físicos

Alguns dos destaques do congresso europeu de oncologia (Esmo) que não aparecem em outros grandes eventos semelhantes dizem respeito ao bem-estar das pessoas com câncer. Nesse ano, chamou atenção uma pesquisa que descobriu que os efeitos psicossociais da doença são maiores do que os físicos. Os cientistas analisaram pessoas com câncer de mama e ovário e perguntaram o que mais lhes incomodava. Os primeiros lugares ficaram com “dificuldade de dormir” e “como isso vai afetar meu parceiro”. Num estudo igual feito em 1983, os campeões eram “vômito” e “náusea”. Para Beyhan Ataseven, que conduziu o estudo numa clínica de Essen, Alemanha, isso se deu porque os tratamentos melhoraram. “A prevalência dos problemas de sono nos surpreendeu, pois eles não apareciam anteriormente”, afirmou à ISTOÉ. “Deveríamos ao menos perguntar aos pacientes se eles querem prescrições de remédios para dormir.”

ENTENDA OS AVANÇOS

Os remédios que ajudam na luta ao câncer de pulmão

Durvalumabe

> Como funciona: Inibe a proteína PD-L1, ligada à ação de células cancerígenas

> Para quem: Pacientes com câncer de pulmão estágio 3 (espalhado pelo órgão)

> Resultados: A progressão diminuiu em 48%, numa fase para a qual não havia drogas

Osimertinibe

> Como funciona: Anula mutação que estimula o crescimento do câncer

> Para quem serve: Pessoas com câncer de pulmão em matástase e mutação EGFR

Fonte : Panorama Farmaceutico