Testes de sangue prevê desenvolvimento de Alzheimer

Seis anos atrás, aos 49 anos, Julie Gregory pagou um serviço online para sequenciar seus genes, prevendo descobrir pistas para explicar sua má circulação, as oscilações de açúcar no sangue e sua saúde debilitada de maneira geral.

Em vez disso, descobriu que tinha uma bomba-relógio escondida em seu DNA: duas cópias de uma variante de gene, a ApoE4, estreitamente ligada à doença de Alzheimer. A maioria dos americanos com esse genótipo acaba desenvolvendo demência de início tardio.

“O alzheimer era a última coisa que passava por minha cabeça”, disse Gregory. “Jamais imaginei que eu corresse esse risco. Quando vi meus resultados, fiquei apavorada.”

Ela consultou um neurologista para saber como poderia adiar o início da doença. A resposta dele: “Boa sorte com isso”. Afinal, nenhum medicamento tinha demonstrado eficácia para reverter o alzheimer. E medidas preventivas como dieta e exercício físico, disse o neurologista, não adiantariam.

Julie Gregory não é o tipo de pessoa que nos vem à mente quando pensamos na doença de Alzheimer: ela é mais ou menos jovem, saudável e de mente afiada. Mas representa um tipo de pessoa que provavelmente vamos encontrar com frequência crescente: aquelas que enfrentam a ameaça da doença no futuro, e não a doença propriamente dita.

Cientistas dizem que estão prestes a desenvolver exames de sangue que poderão detectar os primeiros indícios de alzheimer em pessoas na casa dos 40 ou 50 anos que não apresentam sintomas óbvios da doença.

Hoje, para descobrir se um acúmulo de placas perigosas está se formando em seu cérebro, é preciso ou uma tomografia computadorizada por emissão de pósitrons (PET-CT), que custa por volta de US$ 4.000, ou uma punção lombar.

E, embora os exames genéticos possam ajudar a prever riscos, eles não nos dizem nada sobre o estado atual de nosso cérebro. Exames de sangue eficazes poderiam revelar milhares ou mesmo milhões de pessoas que hoje vivem com uma condição de “pré-alzheimer”.

O filantropo bilionário e cofundador da Microsoft Bill Gates escreveu em seu blog que “homens de minha família sofreram de alzheimer”, o que significa que ele pode correr alto risco de demência. Ele pediu novas abordagens ao combate à doença, incluindo o desenvolvimento “de um método diagnóstico mais confiável, acessível e de baixo preço, como um exame de sangue”. Gates também anunciou que vai doar US$ 100 milhões ao combate ao alzheimer, algo que sem dúvida vai ajudar a converter os exames de sangue em realidade.

Assim, é possível que as pessoas enfrentem escolhas difíceis nos próximos dez anos: receber notícias potencialmente alarmantes sobre sua saúde cognitiva ou não saber? Se alguém descobrir que corre grande risco de desenvolver alzheimer, essa é uma informação que a pessoa vai querer esconder de seus patrões, clientes, convênios de saúde e outros? Ou ela vai querer abraçá-la abertamente como sendo parte de sua identidade e militar publicamente por uma cura?

Nos meses difíceis após o exame genético, Julie Gregory sentiu vontade de estar com pessoas que sofriam “a mesma devastação”. Ela entrou em contato com outros portadores da variante ApoE4. Em 2013, ela e alguns outros fundaram uma organização sem fins lucrativos e criaram um website onde a comunidade podia se reunir. Hoje o grupo conta com mais de 2.000 membros. Eles estudam periódicos médicos, buscam informações junto aos maiores pesquisadores da área e compartilham observações sobre seus experimentos com dieta, exercícios físicos e outras modificações de estilo de vida.

Muitos dos membros se conservam anônimos, temendo que sua condição de portadores da variante seja levada a público contra sua vontade. Uma pessoa do grupo, D. (nome fictício), disse que teme ser exposta publicamente quase tanto quanto teme o próprio alzheimer.

D. se formou em uma das maiores escolas de direito do país 20 anos atrás. Ela fala rapidamente e organizava na cabeça várias listas de tarefas a cumprir. Mas, na meia-idade, sua memória começou a ficar mais fraca, e ela às vezes tinha dificuldade em encontrar as palavras que buscava. D. foi a um hospital fazer um check-up cognitivo e descobriu que é portadora de uma única cópia da variante genética ApoE4.

Ela ficou assustada. Seu pai, neurologista, aposentou-se aos 60 e poucos anos porque sentia que algo não ia bem em sua cabeça. Era como se tivesse diagnosticado sua própria demência que estava por vir. “Tive muito medo de seguir o mesmo caminho que ele”, disse D..

Mas quando ela entrou para a comunidade on-line do ApoE4, outros membros lhe garantiram que seu perfil de risco não era dos mais preocupantes. Possuindo apenas uma cópia da variante “ruim” do gene ApoE4 e uma variante “boa”, as perspectivas de D. são muito melhores que as das pessoas com duas cópias.

D. diz que conseguiu “limpar” a “névoa” em sua cabeça, em parte por ter modificado seus hábitos alimentares e de exercícios. “Se eu não soubesse desse gene”, ela disse, “você acha que eu estaria pedalando na minha bicicleta ergométrica logo cedo pela manhã quando ainda estou com fome? Nem pensar.”

Mesmo assim, ela mantém seu status genético em segredo, exceto por seus amigos mais íntimos. “Quando você é profissional que atende clientes que precisam sentir confiança em seu cérebro”, explicou D., “não quer que eles saibam que você tem essa variante genética.”

Ela tem medo de que o convênio médico a rejeite e que não possa receber atendimento para deficiências de longo prazo, devido a seu genótipo. E, como muitos outros portadores da ApoE4, ela se preocupa com o estigma social.

Jason Karlawish, professor de medicina e neurologia na Universidade da Pensilvânia, estuda como pessoas com alto risco de apresentar a doença de Alzheimer enfrentam a consciência desse fato. “Precisamos fazer com que seja socialmente aceitável falar do risco de apresentar demência”, disse. “Acho que essa é uma das grandes dificuldades que vamos enfrentar nas próximas décadas.”

Muitas organizações de saúde desencorajam os pacientes de tomar conhecimento de seu genótipo ApoE4. Elas avisam que as pessoas talvez não saibam como lidar com uma má notícia ou que podem interpretar os resultados incorretamente. Mas, segundo Theresa, participante da comunidade ApoE4 que, como D., protege sua privacidade, decidir como outra pessoa deve se sentir em relação a fazer o exame é paternalismo. “Minha opinião é que as pessoas precisam conhecer e analisar os fatos e começar a lidar com essa realidade”, ela disse. “Quanto antes você souber qual é seu status genético, mais cedo vai poder tomar uma atitude.”

Nem todos os casos de alzheimer podem ter sua origem vinculada a uma variante genética particular, mas, para alguém como Theresa –que possui duas cópias do ApoE4 e tem quase 60 anos–, são grandes as chances de receber um diagnóstico da doença nos próximos dez a 20 anos.

Mesmo assim, ela diz que tomar conhecimento de sua situação mudou sua vida e tem sido positivo. Hoje ela acompanha seus níveis de lipídios, de glicose e outros biomarcadores.

David Holtzman é neurologista na escola de medicina da Universidade de Washington, em St. Louis, e pesquisa o gene ApoE4 há 25 anos. Ele optou por não examinar seu próprio genótipo do ApoE4. Para que fazê-lo, ele pergunta, quando não existe medicamento nem estratégia de estilo de vida que tenha a garantia de proteger o cérebro?

Seria muito mais útil se os cientistas pudessem observar a doença se espalhar pelo cérebro e semear seu caos. Por isso Holtzman e seus colegas estão trabalhando sobre um método para detectar a presença de marcadores no sangue que alertam para doenças cerebrais.

Tudo em nossa relação com o alzheimer está incerto neste momento. Pensava-se no passado que era impossível prevenir a doença. Hoje ela está começando a ser vista como uma doença causada por fatores múltiplos e que pode ser fruto de uma dieta pobre, vida sedentária, inflamação crônica, exposição a substâncias químicas no ambiente e fatores genéticos.

Alguns cientistas estão descrevendo o alzheimer como outra forma de diabetes; outros procuram uma ligação entre a doença de Alzheimer e problemas cardiovasculares. E estudos já apontaram para uma ligação entre o alzheimer e a exposição à poluição aérea e traumatismos cranianos. Muitos pesquisadores dessa área, incluindo o Holtzman, acham que a chave para derrotar a doença será flagrá-la com a maior antecedência possível e fazer a prevenção.

Ainda não está claro se intervenções no estilo de vida poderão adiar significativamente o declínio cognitivo. Mas os membros do grupo ApoE4 acreditam que podem melhorar suas chances unindo-se em um grupo, compartilhando informações e colaborando com cientistas. “Somos pioneiros genéticos que procuram e testam estratégias”, diz o site do grupo. Em lugar de enxergar-se como vítimas do azar genético, Julie Gregory e seus colaboradores se veem como cientistas e ativistas cidadãos que podem conseguir passar a perna na doença.

Eles reforçam a lembrança também que testes diagnósticos não apenas preveem o destino biológico: eles cumprem uma função social e política. Ajudam a converter estranhos em uma família, uma tribo e às vezes em uma revolução.

Quando surgiu o exame de HIV, na década de 1980, milhares de pessoas de repente se sentiram ligadas pela doença. O exame radicalizou muitas delas, e esses ativistas fizeram campanha pela reforma de testes clínicos, lutaram pelo encurtamento do processo de aprovação de medicamentos e combateram a discriminação médica. O mais importante foi que elas reivindicaram –e conseguiram– tratamentos que estenderam em décadas a sobrevida das pessoas com HIV.

O que pode acontecer se algo como um “exame de HIV” para detectar alzheimer surgir no futuro próximo e milhões de pessoas descobrirem que seus cérebros se encaminham para a demência?

A professora de neurociências Alison Goate, do hospital Mount Sinai, em Nova York, acha que os efeitos podem ser profundos. Hoje não existem pessoas que tenham sobrevivido ao alzheimer. Isso significa, segundo ela, que os pacientes com alzheimer “não podem falar por si mesmos”. A disponibilidade ampla de exames pode gerar uma multidão de pacientes “pré-alzheimer” que vão lutar por avanços no tratamento da doença.

Pacientes ativistas, que possam enxergar a doença de Alzheimer como seu problema, representariam outra base, diferente das empresas farmacêuticas que hoje controlam a discussão sobre a doença. Um medicamento para prevenir a demência pode tornar-se o mais lucrativo do mundo. Não chega a surpreender que um dos maiores escândalos da história envolvendo a venda de informações privilegiadas girou em torno de um possível medicamento contra o alzheimer (que parecia ser eficiente em camundongos, mas não se mostrou igualmente útil com humanos).

Entre 25% e 50% das pessoas vão mostrar sinais de alzheimer antes dos 85 anos. Quando o assunto é demência, todos precisam se ver como vulneráveis. Não importam os genes que a pessoa carrega, suas chances de desenvolver problemas cognitivos crescem com a idade.

Em outras palavras, bem-vindo ao clube: se você pretende ter vida longa, também faz parte do grupo de alto risco. E aí, o que vai fazer a respeito?

Fonte : Site Panorama Farmacêutico