Por que as mulheres vivem mais?

Thomas Kirkwood

Se ainda há alguém que acredita que as mulheres são o sexo mais frágil, já passou da hora de reconsiderar essa ideia. Se levarmos em conta a prova mais fundamental de força – o poder de permanecer vivo, as mulheres são mais resistentes que os homens do nascimento até a idade avançada extrema. O homem médio talvez conclua uma corrida de 100 metros com mais rapidez que a mulher mediana e levante volumes mais pesados. Mas atualmente elas sobrevivem a eles por cerca de cinco a seis anos. Aos 85 anos existem aproximadamente seis mulheres para cada quatro homens. Aos 100, a proporção é de mais de duas para um. E, aos 122 anos, o atual recorde de longevidade humana, a pontuação é de um a zero a favor das mulheres.

Então, por que elas vivem mais? Há algumas décadas podia ser considerada a hipótese de que eles têm morte prematura por conta de todas as dificuldades e estresses de suas vidas de trabalho. Mas a realidade se encarrega de colocar a tese por terra – afinal, se fosse assim, nesses dias de maior igualdade entre gêneros, seria de se esperar que a lacuna de mortalidade desaparecesse ou pelo menos diminuísse. No entanto, há pouca evidência de que isso esteja acontecendo. Hoje, as mulheres ainda sobrevivem aos homens por mais ou menos o mesmo tempo que suas mães que não trabalhavam fora de casa sobreviviam aos seus pais. Além disso, quem realmente acredita que as vidas de trabalho dos homens naquela época eram tão mais prejudiciais à saúde que as rotinas domésticas de mulheres? Considere por um momento os estresses e tensões que sempre existiram nos papéis tradicionais femininos. De fato, estatisticamente falando, representantes do sexo masculino lucram muito mais com o casamento que suas mulheres: homens casados tendem a viver muitos anos a mais que os solteiros; enquanto mulheres casadas só vivem um pouco além das solteiras. Então quem, de fato, teria uma vida menos estressante?

Pode ser que as mulheres sejam longevas porque desenvolvam hábitos mais saudáveis que os homens ao, por exemplo, fumarem e beberem menos e escolherem uma dieta melhor. Mas aí, de novo, é preciso se confrontar com os dados da realidade. O número de fumantes femininas está crescendo, e muitas mulheres bebem e consomem alimentos que não são saudáveis. De qualquer modo, se elas são tão saudáveis, por que tantas passam mais anos da velhice com mais problemas de saúde que homens, apesar de sua maior longevidade? O argumento do estilo de vida, portanto, também não responde à pergunta.

A gerontologia aborda essa questão de uma perspectiva biológica mais abrangente ao analisar também outros animais. Foi constatado, por exemplo, que as fêmeas da maioria das espécies vivem mais que os machos, o que sugere que a explicação para a diferença entre humanos talvez tenha suas raízes no fundo de nossa biologia.

Muitos cientistas acreditam que o processo de envelhecimento resulta do acúmulo gradual de um enorme número de pequenas falhas individuais, um dano a um filamento de DNA aqui, uma molécula de proteína desregulada ali, e assim por diante. Essa somatória degenerativa significa que a extensão de nossas vidas é regulada pelo equilíbrio entre a rapidez com que novos danos atingem nossas células e com que eficiência esses problemas são corrigidos. Os mecanismos do corpo para manter e reparar nossas células são maravilhosamente eficazes, razão pela qual vivemos tanto tempo; mas esses mecanismos não são perfeitos. Alguns danos escapam sem serem consertados e se acumulam à medida que os dias, meses e anos passam. Envelhecemos porque nossos corpos ficam cometendo erros.

Podemos, no entanto, nos perguntar por que nossos corpos não se consertam com mais eficiência. De fato, provavelmente poderíamos reparar danos melhor do que já fazemos. Pelo menos em teoria, poderíamos fazer isso suficientemente bem para viver para sempre. A razão por que não o fazemos, penso eu, é porque teria custado mais energia do que valia a pena quando o nosso processo de envelhecimento evoluiu, na época em que nossos ancestrais, caçadores e coletores enfrentavam uma luta constante contra a fome. Sob a óptica da seleção natural para aproveitar da melhor maneira os escassos suprimentos de energia do organismo, nossa espécie deu maior prioridade ao crescimento e à reprodução que a viver para sempre. Nossos genes trataram o corpo como um veículo de curto prazo que devia ser suficientemente bem mantido para crescer e se reproduzir, mas que não valia a pena um investimento maior em termos de durabilidade quando o risco de sucumbir a uma morte acidental era tão grande. Em outras palavras, genes são imortais, mas o corpo, aquilo que os gregos chamavam soma, é descartável.

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Pelo menos foi essa a ideia que propus no final da década de 70. Desde então, as evidências para sustentar essa teoria do soma descartável cresceram significativamente. Em meu laboratório, mostramos, há alguns anos, que animais mais longevos têm sistemas de manutenção e reparação melhores que animais de vida mais abreviada. Os animais que vivem mais tempo também são os mais inteligentes, os maiores, ou os que, como pássaros e morcegos, evoluíram e sofreram adaptações (como as das asas) para tornar suas vidas mais seguras. Se você pode evitar os riscos do meio ambiente por um período um pouco mais longo ao sair voando de um perigo, ou sendo mais esperto ou maior, então o corpo, correspondentemente, se torna um pouco menos descartável – e compensa gastar mais energia em reparos.

Seria possível que as mulheres sejam mais longevas porque são menos descartáveis que os homens? Apesar de polêmica, essa noção faz excelente sentido biológico. Em humanos, como na maior parte das espécies animais, o estado do corpo feminino é muito importante para o sucesso da reprodução. O feto precisa se desenvolver dentro do útero materno, e o bebê tem de mamar em seu peito. Portanto, se o organismo do animal fêmeo está excessivamente enfraquecido por danos, existe uma ameaça real às suas possibilidades de produzir descendentes saudáveis. Já o papel reprodutivo masculino é menos dependente de sua contínua boa saúde, pelo menos de forma direta.

É demasiado radical afirmar que, no que diz respeito à biologia, tudo o que importa é que os machos atraiam uma fêmea para acasalar, podendo morrer depois disso. Um estudo de crianças na Tanzânia, por exemplo, mostrou que os pequenos que perderam um pai antes dos 15 anos tendiam a ser um pouco mais baixos que seus colegas, e a altura é um referencial razoavelmente bom para a saúde. Mas crianças que perderam a mãe se saíram pior ainda: elas eram mais baixas, mais pobres e não viveram tanto quanto os órfãos sem pais. De um ponto de vista evolutivo, no entanto, os impulsionadores do sucesso de acasalamento para homens em geral não são os estímulos de longevidade. De fato, elevados níveis de testosterona, que aumentam a fertilidade masculina, são bastante ruins para a sobrevivência de longo prazo.

Mulheres ainda estão lutando para conquistar a igualdade em muitas esferas da vida, mas ser menos descartável é uma facilidade que oferece alguma compensação. Há evidências em estudos de roedores de que as células em um corpo feminino fazem reparos melhores de danos que as dos corpos de machos e que a remoção cirúrgica dos ovários elimina essa diferença. Como muitos proprietários de cães e gatos podem atestar, animais machos castrados muitas vezes vivem mais que seus congêneres intactos. De fato, as evidências apoiam a noção de que a castração de um macho pode ser caminho para uma vida mais longa.

O mesmo poderia ser válido para humanos? No passado, eunucos eram membros da elite em muitas sociedades. Na China, meninos eram castrados para que pudessem servir ao imperador sem o risco de engravidar as concubinas. Na Europa, essas práticas extremas foram utilizadas para manter a sublime qualidade de canto de garotos à medida que eles transitavam para a adolescência.

O registro histórico não é suficientemente bom para determinar se eunucos tendem a viver mais que homens saudáveis que não sofreram a intervenção tão agressiva, mas alguns lamentáveis registros sugerem que sim. Há alguns anos, a castração de homens em instituições para os mentalmente perturbados era surpreendentemente comum. Em um estudo de várias centenas de homens em uma instituição não identificada por nome no Kansas, foi constatado que os homens castrados viviam, em média, 14 anos mais que seus iguais não castrados. Ainda assim, duvido que muitos homens, inclusive eu, escolheríamos um remédio tão drástico para ganhar alguns anos extras de vida.

Esta matéria foi publicada originalmente na edição de fevereiro de Mente e Cérebro, disponível na Loja Segmento: http://bit.ly/2lU6Pqx

 

Fonte: uol.com.br