Obesidade eleva risco de câncer: entenda oito processos biológicos que explicam relação com a doença

Um estudo recente publicado pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) mostrou que o Brasil terá 29 mil casos de câncer relacionados à obesidade em 2025. O número é bem maior que os 15 mil casos registrados em 2012, último dado coletado sobre a relação. Atualmente, os casos de câncer associados ao peso elevado respondem por 3,8% de todos os diagnósticos oncológicos feitos no país; daqui a sete anos, serão 4,6%.

A obesidade contribui para maior prevalência de câncer de mama, de endométrio, de rim, de fígado, de próstaga, de bexiga, de esôfago, e de câncer colorretal, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).

Especialistas ouvidos pelo G1 listaram oito processos biológicos ligados aos peso que são fatores que podem explicar a relação entre obesidade e o câncer: inflamação crônica do corpo, desregulação da morte das células, aumento da secreção de substâncias pró-inflamatórias, aumento de vasos sanguíneos, excesso de gordura abdominal, mudança na microbiota instestinal, maior secreção de insulina, elevação dos níveis de hormônios sexuais. (leia abaixo o detalhamento de cada um desses tópicos).

 

Relação não determinante

Apesar de forte, a relação entre a obesidade e o câncer é complexa, e nem sempre determinante. Pesquisadores observam que pessoas obesas tendem a apresentar alguns cânceres com mais frequência. Esse fato qualifica a obesidade para ser um “fator que aumenta o risco”, mas não uma característica determinante para que o câncer ocorra.

Mesmo que os estudos sejam mais relacionais, a tendência de ver a obesidade como uma característica que contribui para a ocorrência de tumores tem crescido. Os estudos mostram ainda que o peso elevado inclusive aumenta a chance de o câncer voltar. A OMS também já aponta a condição como segundo maior fator de risco para o câncer, atrás somente do tabagismo.

A tendência também foi verificada por Leandro Fórnias Machado de Rezende, pesquisador do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e autor da pesquisa sobre o tema no Brasil.

“Enquanto o tabagismo como fator de risco para o câncer vem diminuindo, o peso da obesidade na incidência da doença apresenta uma tendência de crescimento.” – Leandro Fórnias Machado de Rezende

O pesquisador explica que em alguns cânceres essa relação é ainda mais forte, contribuindo para um aumento de risco que ultrapassa os 20%. “Calculamos o peso da obesidade no câncer de modo geral, mas também para alguns tumores específicos. No caso do câncer de endométrio, a obesidade eleva o risco de ter a doença em 28%”, diz Rezende.

Não é só nas pesquisas que a relação entre o câncer e obesidade está se consolidando. Consultórios médicos também começam a recomendar a perda de peso em alguns pacientes oncológicos, principalmente para evitar a possibilidade que o câncer volte, como relata a endocrinologista Claudia Cozer, ​coordenadora do Núcleo de Obesidade e Transtornos Alimentares do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo

“Alguns oncologistas encaminham pacientes sobreviventes do câncer para a perda de peso para diminuir a chance de recidiva.” Claudia Cozer

“A gente não aborda esse fato no estudo especificamente, mas muitas outras pesquisas mostram que a obesidade piora o prognóstico do câncer”, diz Rezende, da USP.

Também Thiago Chulam, cirurgião oncológico e líder do Departamento de Medicina Preventiva do A.C.Camargo Cancer Center, diz que, dentre os pacientes obesos, há a recomendação para a perda de peso.

“Isso é amplamente orientado e recomendado no segmento de obesos e de pessoas com sobrepeso”, explica.

“A literatura científica mostra que a genética tem um peso que varia de 5% a 10% no câncer; tendo em vista que a obesidade pode contribuir para quase 5% dos casos, trata-se de um número elevado e importante.” – Thiago Chulam

O especialista, no entanto, faz a ressalva de que a maioria dos estudos que veêm essa relação é observacional e que outros fatores contribuem para o aumento da incidência da doença. “Hábitos de vida, a genética, o sedentarismo, alimentos ultraprocessados e outros fatores também contribuem para maior incidência. A obesidade é um deles”, diz.

 

Os fatores que podem explicar a relação entre obesidade e o câncer

De modo geral, especialistas entrevistados pelo G1 apontam que a obesidade contribui para um estado de inflamação crônica no corpo. Diferente de uma inflamação de um ferimento, por exemplo, em que há um inchaço aparente, especialistas explicam que esse estado inflamatório deflagrado pela obesidade atua em nível celular.

A inflamação crônica nas células durante a obesidade ocorre porque o sistema imune se prepara para conter o excesso de gordura. O problema, no entanto, é que esse mecanismo do sistema imunológico também pode atacar células saudáveis, contribuindo para um crescimento celular desordenado; ou seja, o câncer.

“Ao contrário de uma inflamação quando você corta um dedo, por exemplo, essa inflamação crônica é mais difícil de controlar. A obesidade vai ficar sinalizando constantemente para o corpo que uma regulação é necessária e, aí, essa inflamação constante ocorre.” – Leandro Fórnias Machado de Rezende.

Além da inflamação crônica, os especialistas destacam outros processos biológicos que explicam a relação:

  1. Desrregulação da morte das células. Depois de algum tempo, as células se programam para morrer. O processo é natural e conhecido como apoptose celular. Estudos mostram, no entanto, que a obesidade pode desregular esse processo – o que contribui para que células disfuncionais permaneçam no organismo.
  2. A obesidade contribui para a secreção de substâncias pró-inflamatórias. Essas substâncias promovem o crescimento de células com perfil mais cancerígeno.
  3. Aumento de vasos sanguíneos. A obesidade favorece o crescimento de vasos sanguíneos, num processo conhecido como angiogênese. Os tumores acabam usando esses novos vasos sanguíneos “para se alimentar”.
  4. Excesso de gordura abdominal. Um dos fatores que contribuem para o câncer é o excesso de gordura na região abdominal. “É como se a gordura nessa região se transformasse em um órgão endócrino, capaz de produzir hormônios”, diz Cláudia Cozer.
  5. Mudança na microbiota instestinal. Estudos também mostram que a obesidade contribui para uma mudança no perfil das bactérias que compõem o trato intestinal, característica que também favorece uma maior inflamação.
  6. Maior secreção de insulina. A insulina, hormônio que contribui para que a glicose seja aproveitada pelas células, também está envolvida no processo de inflamação iniciado pela obesidade. “Muitas células têm receptores para a insulina. Quando ela está aumentada, pode favorecer a proliferação”, diz Rezende.
  7. Níveis elevados de hormônios sexuais. A obesidade contribui para maior produção de hormônios sexuais e isso é particularmente importante no aumento da produção do estrogênio, um hormônio feminino. Hoje, sabe-se que o estrogênio está associado a maior número de casos de câncer de mama, por exemplo.

Apesar de todas essas evidências, no entanto, e da adoção desses achados para direcionar a prevenção e o prognóstico nos consultórios, são poucos os brasileiros que conhecem a relação entre as duas condições. Uma pesquisa da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica divulgada o ano passado mostrou que uma em cada quatro pessoas desconhecia a relação entre câncer e sobrepeso.

Enquanto há o desconhecimento, a obesidade como um fator de risco também está provocando uma mudança na maneira como o câncer se apresenta. Um estudo publicado em março na revista “Obesity” mostrou que a condição tem contribuído para o aumento da prevalência do câncer em adultos jovens.

 

Fonte: Portal G1, publicado no dia 04.05.2018.