Micróbios da mãe moldam sistema de defesa do bebê ainda no útero

O feto vive em um ambiente estéril e protegido dentro da barriga da mãe, mas quando vem ao mundo, está sujeito a múltiplos riscos de infecção. A equipe de pesquisa de Mercedes Gomez de Agüero, da Universidade de Berna (Suíça), mostrou agora que a atitude de mãe superprotetora está gravada no seu organismo: os micróbios do corpo das mamães ajudam a moldar o sistema de defesa da futura criança ainda dentro do útero.

O estudo foi feito com camundongos e foi publicado na revista científica americana “Science”. Mas os resultados valem para a grande maioria dos mamíferos, incluindo o ser humano.

“Durante a gravidez o feto habita um ambiente em grande parte estéril no útero, protegido de infecções pela imunidade maternal”, dizem os autores; “ao nascimento, a situação muda dramaticamente quando as superfícies do corpo se tornam progressivamente colonizadas com micróbios, diretamente expondo o sistema imune neonatal imaturo a potenciais patógenos (micróbios causadores de doenças)”.

O leite materno contém substâncias que ajudam a produzir imunidade no bebê; mas nem sempre isso é suficiente. A validade prática deste tipo de estudo fica clara quando se nota o que pode acontecer depois do nascimento.

“A consequência dessa transição para a saúde humana é que a maior parte da mortalidade infantil em todo o mundo até cinco anos de idade é devida a doença infecciosa”, afirmam Agüero e colegas. Logo, alguma forma de terapia derivada deste tipo de pesquisa e capaz de ativar o sistema de defesa infantil reduziria a mortalidade.

Mamíferos costumam ter dentro do organismo, especialmente no intestino, comunidades de micróbios variados, chamados de “microbiota”. São micróbios em geral “do bem” que ajudam a prevenir infecções por seus colegas “do mal”.

Bebês logo adquirem sua própria microbiota. Mas só com esse novo estudo que se notou que o microbiota materno já tinha começado a moldar seu sistema de defesa bem antes do nascimento.

O principal experimento do estudo envolveu infectar temporariamente fêmeas prenhes de camundongo com uma bactéria modificada por engenharia genética, uma linhagem da comum Escherichia coli, que não permaneceria todo o tempo no intestino. A fêmea estaria livre de germes na hora do parto e os filhotes também nasceriam sem o micróbio.

Mas se demonstrou que o sistema imunológico (de defesa) dos filhotes foi afetado pela bactéria, mesmo sem ter tido contato direto com ela. O mesmo foi observado em fêmeas temporariamente infectadas por um “coquetel” de oito outros micróbios típicos.

Os pesquisadores foram além e descobriram que os filhotes das mães “temporariamente colonizadas” pelos micróbios também tiveram maior ativação de genes ligados à defesa do organismo, ou à divisão e diferenciação das células.

Eles concluíram que não foram os micróbios diretamente, mas sim os anticorpos das mães que os atacaram; e restos de suas moléculas ativaram precocemente o sistema de defesa do feto, preparando-o para a vida fora do útero.

“No nosso sistema experimental, micróbios vivos não estão mais presentes no nascimento; nós não detectamos micróbios vivos na placenta ou no recém-nascido”, dizem os autores; “em outras palavras, os anticorpos maternos não só protegem o recém-nascido através da neutralização do patógeno, mas também têm um efeito mais geral na promoção da transferência molecular microbiana”.

Os pesquisadores resumem: “os constituintes moleculares da microbiota materna são capazes de preparar a imunidade inata neonatal a tempo para o tsunami de micróbios que sucessivamente vão colonizar o intestino”.

Fonte: Folha de S.Paulo