Falhas na saúde pública podem fazer Brasil perder certificado de erradicação do sarampo

Treze casos da doença foram confirmados entre tripulantes de diversas nacionalidades de um cruzeiro que atracou no Porto de Santos, em São Paulo, nesta semana. A investigação de onde eles pegaram o vírus pode demorar até três semanas.

O Brasil tem o certificado de erradicação do sarampo desde 2016, mas pode perdê-lo porque nesta semana completou-se um ano desde que começou um surto de contaminação a partir do mesmo tipo de vírus. São 10.302 casos. Mas nem todos fazem parte do mesmo surto.

Há situações de pessoas que foram contaminadas na Europa, onde os índices atingiram um recorde. Dados preliminares da Organização Mundial de Saúde apontam para mais de 60 mil casos no ano passado no continente.

Amazonas, Pará e Roraima enfrentam um surto originado pelo vírus importado da Venezuela. No Amazonas, mais de 9.800 diagnósticos foram confirmados pelo Ministério da Saúde. A presidente da Fundação de Vigilância em Saúde do Estado, Rosemary Costa Pinto, explicou que os venezuelanos são imunizados, mas nem todos entram legalmente no país.

“Na medida em que elas estão sendo identificadas, elas estão sendo vacinadas. O problema é que estão chegando cerca de cem venezuelanos por dia. Esses os que são identificados, mas tem muitos que vem por outros meios e nós não sabemos quem eles são, onde estão,” contou Rosemary.

De Manaus, o vírus viajou 4,5 mil quilômentros até Porto Alegre. A técnica da Secretaria de Saúde do Rio Grande do Sul, Juliana Patzer, conta que uma estudante iniciou uma cadeia de transmissão no Sul.

“Uma estudante foi para Manaus e lá ela teve contato com o sarampo e voltou doente. A partir daí a gente passou a ter cadeias de transmissão aqui em Porto Alegre,” disse Juliana.

Depois de sete anos sem nenhum registro, o Rio Grande do Sul teve 46 casos desde o ano passado. Trinta e oito só na capital. O professor da Santa Casa de São Paulo, José Cássio de Moraes, participou do comitê internacional responsável pela avaliação que resultou no certificado de erradicação do sarampo nas Américas, em 2016. Ele avalia que houve ineficiência na resposta para os casos do ano passado.

“Houve uma desatenção nas ações a serem tomadas. Porque como o sarampo é uma doença extremamente transmissível, ou seja, cada caso pode introduzir de 15 a 18 outros casos, se não agir rapidamente você pode ter uma rápida transmissão,” argumentou o médico.

 

Imunizações

O número de pessoas vacinadas no país cai desde 2014. No ano passado, dados preliminares do Ministério da Saúde mostram que 82% das crianças com menos de 2 anos foram imunizadas, bem abaixo do mínimo de 95% orientado pela OMS. Na Bahia, foram apenas 60%.

Profissionais de saúde concordam em apontar mudanças de comportamento como uma das possíveis causas para a baixa cobertura vacinal, como explicou Rosemary Costa Pinto, da Secretaria de Saúde do Amazonas.

“Aquela geração de mães que se preocupava em ter a carteirinha de vacinação do filho completa, ficou pra trás. Hoje em dia, as mães não veem essas doenças: não veem o sarampo, não veem rubéola, não veem difteria e isso faz com que haja perda de sensibilidade da população com relação às vacina,” lamentou Rosemary.

A vacina é fornecida gratuitamente em 36 mil salas de vacinação no país, mas nem todo mundo sabe disso. José Cássio de Moraes acha que é preciso modernizar a forma de comunicar as campanhas em redes sociais.

“Nós não chegamos no século 21 ainda na comunicação com a população. A gente não está utilizando esses meios que são muito eficazes. A gente tem que fazer uma adaptação cultural,” disse José Cássio.

A vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunização, Isabella Ballalai, critica a estrutura da atenção básica da saúde pública. Para ela, profissionais desmotivados e postos de saúde abertos apenas em horário comercial são entraves no acesso à prevenção.

“Crianças que vão se vacinar e que precisam tomar três vacinas diferentes e às vezes recebem uma só porque a família fica com medo e o profissional às vezes não está preparado para dar a confiança que a família precisa. E tem também a questão do acesso. A família toda hoje trabalha. Postos que abrem em horário comercial e fecham para o almoço dificultam muito esse acesso,” explicou a especialista.

O sarampo matou 12 pessoas no ano passado no país. A doença pode desencadear quadros graves como encefalite e pneumonia.

A avaliação da OMS sobre a continuidade do certificado de erradicação do sarampo no Brasil deve ser feita após a visita ao país de uma comissão, marcada para o final de março.

Fonte: Camila Olivo, CBN. Publicado em 23.02.2019