Estudos ligam adoçantes a obesidade e diabetes, mas há controvérsia

Os adoçantes são, há pelo menos 30 anos, companheiros inseparáveis de Wal Santos, que já nem imagina mais sua vida sem seu “amigo da hora do cafezinho”. A carioca passou boa parte de seus 52 anos observando gotinhas transparentes submergirem na bebida, que ela toma até dez vezes por dia. Chamado tecnicamente de edulcorante, o adoçante substitui quase que completamente o açúcar na rotina de Wal. Mesmo quando ela compra o produto refinado — para fazer bolos, por exemplo —, o saquinho de açúcar chega a “endurecer” no armário da cozinha, de tão pouco que é usado.

— Meu paladar se acostumou tanto que hoje mal consigo pôr açúcar na boca — conta ela.

A transição para o uso dos adoçantes não foi natural, mas, sim, consciente, para controlar o peso e afastar a possibilidade de sobrepeso e diabetes. Curiosamente, no entanto, estudos científicos recentes associam o mesmo produto — que entrou no mercado como um “trunfo” para evitar diversos males do açúcar — a riscos maiores de uma pessoa desenvolver tanto a obesidade quanto a diabetes tipo 2, além de distúrbios intestinais, falhas cardíacas e outros problemas.

Há quem defenda que, se ingeridos nas doses recomendadas, os adoçantes não trazem problemas para as pessoas. Mas, na opinião de muitos especialistas, mesmo em quantidades razoáveis, esses produtos tendem a desequilibrar certas funções do corpo e, por isso, deveriam ser tão evitados quanto o açúcar.

ENTRE NATURAIS E SINTÉTICOS

De acordo com um estudo conduzido por cientistas do Instituto de Ciências Weizmann, em Israel, e publicado na revista “Nature”, adoçantes artificiais interferem na capacidade de o corpo regular o açúcar no sangue, causando mudanças metabólicas que levariam a diabetes. Os estudiosos realizaram experiências, a maioria em camundongos, para chegar à conclusão de que adoçantes podem alterar o nosso microbioma, ou seja, a população de bactérias existente no sistema digestivo. Por isso mesmo, também elevaria as chances de obesidade no futuro.

O estudo, que analisou a sacarina, a sacarose e o aspartame, foi contestado por especialistas que afirmam que, em doses moderadas, os adoçantes não provocam as alterações listadas pela pesquisa. Entretanto, uma outra pesquisa, esta publicada ano passado por universidades como Cambridge (Inglaterra) e Harvard (EUA), também destaca que o consumo de bebidas adoçadas artificialmente pode estar ligado à incidência de diabetes tipo 2, embora a relação seja mais forte quando se trata do açúcar tradicional.

Já em novembro último, o periódico “Heart”, da Associação Médica Britânica, publicou um trabalho de cientistas suecos indicando que o consumo de dois copos, ou 400ml, de bebidas como refrigerantes dietéticos por dia aumentam em 23% a probabilidade de problemas cardíacos. A pesquisa analisou dados de 42 mil homens no período de 12 anos.

Adoçante artificial não tem uma cara só. O produto pode ser feito a partir de várias substâncias, sintéticas ou naturais. As do primeiro grupo são, claro, os principais alvos de pesquisa, porque estão presentes em muitos refrigerantes — em geral, combinadas. Mas, mesmo as do segundo grupo, encontradas na natureza — tais como a frutose e o sorbitol —, são criticadas pela ciência de tempos em tempos.

Entre todos esses sinais amarelos, uma das principais preocupações médicas, segundo Pedro Assed, membro da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia, é com a disbiose intestinal, que pode ser causada por alguns tipos de adoçante. Esse problema ocorre quando, dentro do intestino, há uma diminuição do número de bactérias “boas” e um aumento das “ruins”. Isso dificulta a absorção de nutrientes e provoca carência de vitaminas.

— São diversos os estudos que relatam a alteração da flora bacteriana intestinal causada pelo uso crônico de adoçantes artificiais. Isso causa uma inflamação que seria responsável, entre outras coisas, por aumentar a resistência insulínica, levando à intolerância a glicose e, consequentemente, a um risco aumentado de diabetes. A maior resistência à insulina também estaria relacionada a um risco grande de desenvolver obesidade. Hoje, não há dúvidas de que as pessoas obesas têm uma flora intestinal diferente da de indivíduos magros e sadios — afirma o especialista, que é pesquisador do Grupo de Obesidade e Transtornos Alimentares (Gota), da PUC-Rio.

Foi justamente essa a relação mostrada no estudo israelense publicado pela “Nature”. De acordo com Assed, apenas os adoçantes à base de sucralose e estévia estariam “a salvo” — pelo menos quanto ao risco de levar à obesidade e ao diabetes. E é por isso, diz ele, que muitas marcas de edulcorantes estão mudando suas composições, substituindo ciclamato de sódio e aspartame, por exemplo, por sucralose. Da mesma forma, marcas conhecidas de refrigerantes já deixaram de usar o aspartame nas fórmulas de suas bebidas de baixa caloria.

— Isso (a possibilidade de gerar obesidade ou diabetes) vai explodir a qualquer momento, à medida que mais pesquisas vão sendo feitas. Então, a indústria começa a se preparar silenciosamente — avalia ele.

Existem também estudos que analisam a possibilidade de adoçantes, em especial o aspartame, causarem algum tipo de câncer, mas não há uma comprovação científica em relação a isso.

— Não se pode dizer que adoçantes causam tumores, mas, em alguns casos, eles parecem favorecer o seu desenvolvimento após a existência do tumor — diz a nutricionista Andressa Reginato.

A consultora da Associação Brasileira da Indústria de Alimentos para Fins Especiais e Congêneres (Abiad), Márcia Terra, porém, defende que não há estudos de longo prazo em humanos comprovando relação com doenças ou com obesidade.

Publicidade

— Para uma ingestão segura, é preciso respeitar as doses diárias recomendadas. No caso do aspartame, pode-se consumir 40mg/kg do peso corporal: uma pessoa de 60kg pode ingerir diariamente até 2.400mg — diz ela.

CÉREBRO PEDE CALORIA, E NÃO DOCE

Professor de Fisiologia da Universidade de Yale, nos EUA, o brasileiro Ivan de Araújo afirma que os seres humanos são atraídos por alimentos doces não por causa de seu sabor, mas devido a suas calorias. Sendo assim, não haveria lógica na ingestão de adoçantes não calóricos, porque, não satisfeitas, as pessoas passam a procurar mais comida para saciar a “fome” do organismo por calorias.

— Adoçantes artificiais não produzem efeitos benéficos claros no peso corporal. Isso se dá provavelmente pelo fato de o cérebro detectar a ausência de calorias — explica o cientista, que semana passada publicou uma pesquisa sobre isso. — Uma menor exposição ao açúcar, especialmente entre os mais jovens, é importante para o desenvolvimento de hábitos alimentares saudáveis, de tal forma que o uso de adoçantes artificiais não se faça necessário.

Fonte: Portal O Globo