Envelhecimento: questão de saúde pública, consumo e necessidades sociais

Por Daniel Magnoni, cardiologista e nutrólogo do Hospital do Coração e do Hospital Dante Pazzanese de Cardiologia, em São Paulo

 

O Brasil, país jovem e de população jovem, sempre alardeado nas comunicações estatais, e centro de políticas públicas, deixa de ser uma realidade, o foco do momento são os idosos, em número crescente, com necessidades de saúde diferenciadas e, muitas vezes almejados nas ações de marketing de consumo. Surge, dessa forma, o espaço para uma alimentação focada na nutrição e na prevenção, não mais um simples pode ou não pode de determinado alimento.

O Brasil, país jovem e de jovens está acabando, ou melhor, já acabou. Na realidade, a população caminha rapidamente para se consolidar como uma população envelhecida, com problemas sociais e econômicos, bem como com a necessidade de maior atenção na saúde e alimentação.

O envelhecimento da população, além da alegria por “viver mais”, carrega um fardo crescente em ações de saúde, ficar vivo por mais tempo surge como uma grande preocupação no planejamento econômico da saúde e no dia a dia individual, em vista da necessidade de projetar necessidades financeiras, sociais e habitacionais. O envelhecimento e a terceira idade no Brasil, caracterizada na faixa etária acima de 60 anos, contrasta com quase todos os outros países, que a caracterizam como acima de 65 anos, possui muitas e específicas conotações em saúde, prevenção e cura de doenças.

Os brasileiros, seguindo a tendência mundial, ampliaram a sua expectativa de vida: nos anos 80, os dados mostravam uma longevidade beirando os 62,5 anos, atualmente já atinge 76,1 anos em uma média nacional e socioeconômica. As classes sociais mais abastadas e os moradores de centros com melhor assistência médica apresentam maior longevidade.

Essa mudança na expectativa de vida é um fenômeno que rapidamente transforma a sociedade. No Brasil, em 1950, uma criança com 10 anos tinha uma expectativa de vida de 53 anos; em 2015, crianças com 10 anos já podem projetar a vida até os 67 anos. Segundo dados da Organização mundial da Saúde (OMS), temos mais de 500 mil pessoas no mundo com mais de 100 anos. Esse número deverá duplicar a cada 10 anos.

Em 2006, Marcelo Neri em Parceria com Wagner Soares, analisando dados de pesquisas relacionadas à renda e condições de saúde, demonstrou que estes itens são variáveis correlacionadas, o aumento da renda, seja por qualquer motivo, propicia maior acesso a bens e serviços, refletindo diretamente em melhoras no estado de saúde.

 

População envelhecida

Os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram um grande crescimento do número de idosos no Brasil entre 2012 e 2017; a população de idosos saltou 19,5%, em números absolutos de 25,4 milhões para 30,2 milhões de indivíduos.

No Brasil, as projeções para 2025 mostram que o número de indivíduos com idade igual ou superior a 60 anos será superior a 32 milhões, incluindo os idosos jovens, idosos velhos e idosos mais velhos (quarta idade).

A capital paulista apresenta resultados alarmantes nas análises epidemiológicas sobre a chamada terceira idade. Em uma população estimada de 12 milhões de pessoas, quase 2 milhões (16,8%) estão na faixa etária superior a 60 anos. No estado de São Paulo, a população idosa atinge 6,6 milhões de indivíduos, quase 14,6% da população total. Os dados de projeção populacional oriundos do IBGE apresentam a terceira idade abrangendo 21% da população, mais de 10 milhões de pessoas em 2030 em todo o estado.

A internação em albergues, modalidade de cuidado que fornece alojamento, alimentação e variados graus de apoio multidisciplinar, cresceu 33% nos últimos 5 anos, segundo dados coletados em albergues públicos e privados, configurando uma população beirando os 100.000 “hóspedes”, só no sistema público os números ultrapassam 60.000 moradores.

 

Questão global

O envelhecimento da população é um fenômeno mundial, primeiramente iniciado nos países desenvolvidos e europeus, na sequência expandindo para os menos desenvolvidos, como o Brasil. O aumento da expectativa de vida tem sido evidenciado pelos avanços tecnológicos relacionados a área da saúde. Aliado a este fator, a queda de fecundidade, iniciada na década de 60, permitiu a ocorrência de uma grande explosão demográfica.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a população mundial com mais de 60 anos vai passar para 2 bilhões até 2050. Novos desafios para a saúde pública global nesta fase serão o tratamento de doenças crônicas e o bem-estar da terceira idade. Em 2020, o número de pessoas com mais de 60 anos será maior que o de crianças até cinco anos.

 

Transição epidemiológica

Ao adentrar no universo dos idosos, constatamos que ela possui uma relação direta com a transição epidemiológica, que se caracteriza por mudanças que ocorrem ao longo do tempo nos padrões de morte, morbidade e invalidez de uma população ou grupamento sócio cultural.

A transição epidemiológica não deve ser analisada isoladamente, ocorre dentro de um universo de modificações societárias como as adaptações demográficas, socioeconômicas e de saúde. Nesse contexto, a transição nutricional, com o aumento do consumo calórico, da ingestão de sal, açúcar e gordura possui um impacto relevante, por estar relacionada a obesidade e doenças crônicas degenerativas como diabetes, doença cardiovascular e osteoarticular.

Ainda dentro do contexto do envelhecimento, surge a sarcopenia, conceito atual que participa ativamente, como tema recorrente, de muitas publicações especializadas e, cada vez mais, na mídia geral.

A sarcopenia deve ser considerada como a consequência natural de todo o processo de envelhecimento do homem. A perda de massa magra associada à redução da densidade óssea, disfuncionalidade articular e rebaixamento cognitivo configuram, de forma objetiva, o início do processo de envelhecimento inserido dentro do aumento de morbidade. A associação de perda da massa magra associada à força muscular reduzida e função física restrita pode ser considerada a tríade diretamente envolvida na origem das doenças relacionadas à sarcopenia.

A quase totalidade das pesquisas em morbidade e mortalidade na terceira idade, relacionam as quedas, processos infecciosos pulmonares e acidentes vasculares encefálicos como as frequentes causas de internação hospitalar. Nesse contexto, o “idoso caidor” e aquele com doenças pulmonares de base, piorados com a perda de força muscular, poderiam receber melhora significativa se tratados com terapias nutricionais de maior aporte de proteínas e nutrientes especiais.

 

Alimentação e exercício

No universo das ações relacionadas a melhora das condições de vida no envelhecimento a nutrição, como terapia, e alimentação geral possuem impacto muito contundente. Nesse enfoque, a atenção na redução do consumo de sal, açúcar e gordura saturada deve ser paralelo a redução calórica diária, evitando a obesidade e reduzindo alguns dos fatores de risco para as principais doenças nessa faixa etária. Esse processo deve ser iniciado precocemente, alguns autores identificam, já na alimentação da criança, a chave para o sucesso do envelhecer saudável.

O grupo da terceira idade, assim como os jovens praticantes de alto nível de atividade física, são o alvo das campanhas pelo consumo de suplementos de vitaminas, minerais e proteínas especiais. O consumo desses nutrientes pode ser uma boa opção de prevenção das doenças, no entanto, essa terapia deve ser conduzida dentro da observação clínica de dose e efetividade. Os suplementos comerciais que apresentam na comunicação midiática algumas vitaminas e minerais úteis em determinada doença, devem fornecer realmente a quantidade relacionada à eficácia clínica e as necessidades diárias.

A utilização simples de produtos comerciais com uma quantidade padronizada de vitaminas e minerais, não reflete os resultados das pesquisas científicas, possuem doses baixas, simplesmente estando dentro de tabelas autorizadas a comercialização como suplementos, na grande maioria dos casos, insuficientes à prevenção ou cura das doenças.

No planejamento de uma vida saudável e ativa após os 60 anos, a atividade física deve ser estimulada e planejada, o simples exercício como a corrida ou caminhada, deve ser modificada para exercícios aeróbicos mesclados a anaeróbicos, fortalecendo a massa muscular, melhorando postura e evitando quedas, além de ampliar e melhorar as funções cardio respiratórias.

 

Convívio social e familiar

O convívio social e familiar deve ser repensado, aliado aos processos orgânicos, existe uma realidade de abandono e incapacidade cognitiva e afetiva. Os idosos necessitam de estímulos relacionados ao contato com familiares e amigos. Nas unidades de residência especializada em idosos, as atividades de relacionamento comunitária, criando grupos de interesse e vivenciamento deve ser uma prática estimulada.

No sentido dos albergues e das casas de repouso e moradia na terceira idade, a mescla de idosos ativos com outros com grande dependência e alta necessidade de cuidados, mesmo sendo uma prática de redução de custos globais, pode ser uma prática errônea. O convívio conjunto desses grupos, pode desencadear processos depressivos, ansiedade e retração na socialização dos mais ativos.

De novo, a alimentação surge como uma ferramenta de melhora do estilo de vida, na medida que a gastronomia e a culinária tipo “comfort food” podem ser utilizadas como atividade lúdicas, métodos de integração dos grupos ou simples estímulo no enfoque de avaliações sensoriais e de deglutição.

Enfim, a população idosa é uma realidade incontestável no aspecto epidemiológico e econômico. Assumir as ações de saúde com planejamentos em prevenção e cura, bem como, entendê-la como uma possibilidade de negócios com alta rentabilidade, pode ser o caminho para, em curto prazo, modificar os resultados e conclusões das pesquisas.

Fonte: Daniel Magnoni, Revista Veja. Publicado em 22.02.2019