Dormir de lado

Há dois anos a neurociência aprendeu que uma função fundamental do sono é uma espécie de “faxina” cerebral: é adormecido que o cérebro se livra de todos os metabólitos e eventuais toxinas acumuladas enquanto estava funcionando acordado. Não que os neurônios parem de funcionar durante o sono –pois funcionam o tempo todo, embora de maneiras diferentes. Mas, durante o sono, a combinação diferente de moduladores que banham o cérebro faz com que o espaço ao redor dos neurônios aumente, e com isso o tecido passa a ser eficientemente lavado pelo liquor, o fluido que banha o cérebro.

Essa circulação de liquor que lava o tecido cerebral é hoje chamada de circulação “glinfática”, nome dado pela neurocientista dinamarquesa Maiken Nedergaard ao circuito em honra ao envolvimento de células gliais e para sinalizar a semelhança funcional ao sistema linfático que opera no resto do corpo. Foi o grupo de Nedergaard que descobriu que a remoção de dejetos do cérebro ocorre preferencialmente durante o sono.

Ocorre que todo tipo de circulação de líquidos no corpo está atrelada, de um jeito ou de outro, ao bombeamento de sangue pelo coração. Por sua vez, uma das coisas mais notáveis que acontecem durante o sono é o repouso do corpo em uma só posição por períodos prolongados, o que modifica a circulação sanguínea. Se a posição em que se dorme afeta a circulação, será então que a remoção de metabólitos do cérebro adormecido também fica afetada?

Para investigar a questão, o grupo de Nedergaard analisou o fluxo de marcadores fluorescentes injetados no liquor em ratos anestesiados (estado semelhante ao sono em permitir uma boa “faxina” glinfática do cérebro) posicionados de barriga para baixo, para cima, ou deitados de lado. Os resultados são claros: a circulação do liquor pelo tecido cerebral e a remoção de metabólitos, como o peptídeo beta-amiloide que se acumula na doença de Alzheimer, é de uma vez e meia a três vezes maior quando os animais estão deitados de lado ou de barriga para cima do que deitados de barriga para baixo.

Talvez por causa disso, deitar de lado já seja a posição favorita de ratos e outros animais adormecidos, inclusive humanos. Os pesquisadores são cuidadosos em lembrar que por enquanto os resultados valem apenas para os ratos examinados, mas a posição em que se dorme sabidamente afeta a circulação em humanos, não custa nada tentar dormir de lado hoje à noite…

SUZANA HERCULANO-HOUZEL é neurocientista, professora da UFRJ, autora do livro “Pílulas de Neurociência para uma Vida Melhor” (ed. Sextante) e do blog www.suzanaherculanohouzel.com

Fonte: Folha de S.Paulo