Doenças ou exames de rotina são capazes de desestabilizar um homem?

Não é raro ver relatos de que um homem doente, gripado que seja, anda pela casa reclamando, incomodado. Mas de onde vem essa onda de fragilidade, que atinge o sexo masculino quando ele se vê às voltas com médicos, remédios, exames e as questões de saúde?

Tradicionalmente, a identidade masculina estava ligada a valores como produtividade, força, prover a família e os filhos.

O modelo social “exigia”, historicamente, que o homem se portasse de determinada maneira – assim como “exigia” que mulheres fossem mais delicadas e maternais, por exemplo.

Quando algo muda esse panorama, entra em cena um grande estranhamento: uma doença ou mesmo exames de saúde, nesse caso, são, sim, capazes de desestabilizar um homem.

Há, inclusive, estudos mostrando que homens demoram mais a pedir ajuda quando se sentem mal. Não porque o organismo masculino opere diferente, mas porque a sociedade diz isso a eles.

“Não é biologicamente determinado que os homens procurem menos ajuda do que as mulheres”, diz o professor Glenn Good em uma pesquisa que realizou pela Universidade de Missouri a respeito dos homens e a masculinidade. “Quando essa demora acontece, significa que a culpa é da socialização e da educação: os homens aprendem a procurar menos ajuda”, diz a pesquisa.

“As mulheres são ensinadas, já há muitas décadas, a zelar pela própria saúde, fazer controles e prevenções [até por, antigamente, serem vistas como seres mais frágeis]. No caso dos homens, bem menos: mesmo com relação a campanhas, como o Novembro Azul, ainda é muito recente a ideia de que eles devam observar a própria saúde com calma e aceitação”, diz a psicóloga do Instituto do Coração (InCor) do Hospital das Clínicas da FMUSP Andrea Torres.

Se o papel da mulher na sociedade está sendo tão revisto ultimamente, felizmente, o papel do homem também não está estacionado. Está, por sinal, carecendo de mudanças que só os beneficiarão. “Perceber que precisa de cuidados e buscar esse cuidado é o desafio masculino”, diz.

“Em geral, eles demoram mais a pedir ajuda e, quando buscam, muitas vezes é já em um quadro severo de saúde, procurando socorro no dia em que sentiram algo muito errado – e, não raro, nem acontece no pronto-atendimento médico, mas no farmacêutico ou em tratamentos caseiros”, completa.

O problema acontece desde a prevenção. Muitos homens sequer cogitam tirar um dia ou mesmo algumas horas do dia de trabalho para fazer exames de rotina, por exemplo. Esse engajamento com o emprego, aliás, é um dos fatores que fazem com que os homens ignorem a própria saúde: para muitos deles, sair da agenda profissional na casa dos 30 anos para fazer exames seria um demérito, não uma mostra de virilidade ou comprometimento.

No hospital, quando o problema já aconteceu, o padrão também é similar: enquanto as mulheres se permitem serem amparadas e até mesmo chorar, os homens muitas vezes ficam chocados de terem adoecido, negam o fato, resistem. Às vezes, entra até o quadro de depressão e de se tornarem extremamente dependentes por terem sido retirados de sua “condição de masculinidade”.

Os números, no entanto, não mentem: segundo dados da Organização Mundial da Saúde, os homens começam a sofrer infartos mais cedo que as mulheres e a população acima de 60 anos tem uma alta predominância feminina. Eles morrem mais cedo, segundo as pesquisas, porque são mais estressados, displicentes com a alimentação e com a prevenção de doenças.

“Vale lembrar que todos esses apontamentos são generalizações”, diz a psicóloga Andrea Torres. “Portanto, mesmo dentro de um grupo de homens, as tradições sociais podem existir, mas a personalidade deve se sobressair.”

Eles precisam se aceitar e ficarem seguros com isso. Quem sabe, então, os homens possam impor, daqui por diante, comportamentos mais “modernos”, que sigam em um caminho de autoconhecimento e valorização da saúde física e mental. E a gripe poderá causar menos “manha” para aqueles que aceitarem deitar, relaxar e se cuidar.

Fonte : Site Coração e Vida