Doces e leites voltam a ser os vilões da acne

A preocupação vai além dos efeitos na balança. Para muita gente, uma barra de chocolate ao leite é culpada pelo aparecimento das indesejadas espinhas no dia seguinte. Essa relação foi, inclusive, resultado de estudos científicos sobre o tema até as décadas de 1960 e de 1970, quando o paradigma foi derrubado. Nesse período, a ciência mostrou por A mais B que a alimentação nada tinha a ver com a acne. Nos últimos anos, porém, pesquisas voltam à suposição inicial e comprovam a influência da dieta na saúde da pele. Esse vai e vem de informações foi o objeto de estudo de Jennifer Burris, da Universidade de Nova York, e de dois colegas. Eles buscaram um veredito final sobre a inocência ou não do chocolate, das frituras, dos carboidratos e dos produtos lácteos quanto ao surgimento da acne.

O artigo, publicado no Jornal da Academia de Nutrição e Dietética dos Estados Unidos deste mês, determinou que as evidências mais crescentes caminham contra os alimentos de alto índice glicêmico e os produtos lácteos. Os primeiros são principalmente doces e carboidratos refinados. Ao receber esses produtos, o organismo enfrenta picos de glicose e dispara uma grande quantidade de insulina para controlar a taxa de açúcar no sangue. Produzida pelo pâncreas, a insulina é o hormônio responsável por retirar a glicose do sangue e depositar a substância no interior das células. Como os picos são elevados, acontece uma desregulação hormonal que leva à acne.

Essa relação inicialmente foi apontada no fim dos anos de 1800. Evitar o chocolate, o açúcar e a gordura fazia parte do tratamento prescrito a pacientes com acne. A grande mudança veio com estudos científicos que compararam grupos de pessoas que consumiam esses alimentos com outros que adotaram uma dieta restritiva. Segundo Jennifer Burris, os resultados de duas pesquisas “repetidamente citadas na literatura e na cultura popular” refutaram de vez a associação entre dieta e acne (veja Para saber mais). “Mais recentemente, dermatologistas e nutricionistas registrados revisitaram a relação dieta e acne e se tornaram cada vez mais interessados no papel da terapia nutricional médica no tratamento da acne”, diz Burris.

Com William Rietkerk, do Departamento de Dermatologia da Faculdade de Medicina de Nova York; e Kathleen Woolf, do Departamento de Nutrição, Estudos Alimentares e Saúde Pública da Universidade de Nova York, Burris copilou dados sobre uma série de características de estudos feitos do fim do século 19 aos dias atuais, incluindo a referência, os participantes, a metodologia, os resultados primários, as conclusões e as limitações. Além de concluírem que grande parte dos estudos aponta para uma relação da doença com produtos de alto índice glicêmico e lácteos, os cientistas observaram que os estudos dos últimos 10 anos mostraram que realmente a alimentação não é capaz de causar a acne, mas de agravá-la e influenciar em seu desenvolvimento.

Constatação no consultório
Coordenador do Departamento de Cosmiatria da Sociedade Brasileira de Dermatologia, Jayme de Oliveira Filho acompanhou essas mudanças na literatura médica durante quase quatro décadas de atendimento clínico. O dermatologista conta que, quando trabalhava no Hospital das Clínicas, nos primeiros anos de formado, havia um consenso entre os médicos: orientar os pacientes a não comerem chocolate, amendoim ou qualquer outro alimento relacionado ao trânsito intestinal. “Pensava-se que a permanência do bolo fecal em quem tinha o intestino preso promovia a absorção de uma substância que gerava uma piora da secreção da glândula sebácea, e que alguns alimentos poderiam alterar isso”, conta.

Ele lembra da mudança nos anos de 1970 e de 1980, quando diversos estudos surgiram para enterrar a conexão entre dieta e acne. “Desde então, paramos de dar esse tipo de orientação. Mas, de uns anos para cá, começaram a surgir outra vez novos trabalhos mostrando que indivíduos com dietas mais ricas em gordura ou chocolate talvez tenham o hábito relacionado à piora da acne mais comum.” Segundo ele, a observação da comunidade médica é de que demorará até que haja um embasamento científico convincente. “Não podemos deixar de ter o bom senso. Se você tem acne e acha que sardinha piora, deixe de comer sardinha. Mas não me convence ainda dar uma dieta específica para acne.” O dermatologista considera que um tratamento intensivo terá resultados com ou sem uma dieta específica.

Cautela e acompanhamento
A nutricionista Alessandra Furlan Comin estuda a relação entre a doença e a alimentação e acredita que a conexão existe, mesmo não sendo causal. Os alimentos com alta carga glicêmica devem ser excluídos da dieta de uma pessoa com acne, já o derivados de leite devem ter uma ingestão cautelosa, sugere. Segundo a nutricionista, estudos indicam que o alto consumo de leite parece estar relacionado à ocorrência e à severidade da acne mais comum por corresponder à elevação dos níveis do fator de crescimento IGS -1 no sangue. “O aumento desse fator relaciona-se com o crescimento da produção de hormônios andrógenos que, por sua vez, promovem o aumento da produção do sebo que vai contribuir para a acne”, explica. Isso aconteceria independentemente do tipo de leite, integral ou desnatado.

A nutróloga Liliane Oppermann ressalta que, independentemente das pesquisas atuais, não é possível afirmar que a alimentação possa ser um fator desencadeador da acne.“Quem não tem acne não vai passar a ter por causa da alimentação. O que se sabe é que a pessoa que tem a doença por outros motivos, sejam eles fatores hormonais, sejam hereditários, uma vez com a alimentação rica nesses produtos, pode ter uma piora”, ressalta. A indicação de Oppermann é que o tratamento contra a doença seja acompanhado pela terapia nutricional para que tenha resultados ainda mais expressivos.

Dúvida antiga

Os principais estudos que colaboraram para refutar a conexão entre a acne e a dieta foram publicados em 1969 e em 1971. Na primeira pesquisa, da equipe de James Fulton, foi examinada a relação entre chocolate e acne. Os 65 participantes com acne suave a moderada consumiram uma barra de chocolate ao leite ou placebo todos os dias durante quatro semanas. As observações foram suficientes para determinar que o chocolate não teria afetado o desenvolvimento da acne. O critério adotado, no entanto, foi o fator de maior debate. Para avaliar as melhorias na gravidade da doença, Fulton estudou reduções da contagem total de lesões na pele.

No segundo estudo, realizado por P.C. Anderson e colegas, a análise abrangeu o chocolate e outros alimentos popularmente conhecidos por favorecer a acne, como amendoim, leite e refrigerantes. Eles examinaram os hábitos alimentares relatados por 27 universitários, a relação com os alimentos e uma autoavaliação sobre a gravidade da doença. As lesões foram mapeadas para a comparação dos quadros antes e depois do tratamento. Em uma semana, os participantes não narraram novas crises de acne, levando à conclusão de não influência da dieta na doença. Erros metodológicos também foram encontrados em décadas posteriores.
Fonte: CORREIO BRASILIENSE – DF