Cientistas criam receita para fabricar sangue

REINALDO JOSÉ LOPES
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Cientistas descobriram uma receita que permite produzir, em laboratório, células precursoras de todos os componentes do sangue, usando células humanas adultas.

O processo ainda é ineficiente e precisa de ajustes, mas abre a possibilidade de ajudar pessoas que têm doenças sanguíneas e não encontram doadores de medula óssea.

A pesquisa saiu na revista “Nature” pela equipe de George Daley, do Hospital Pediátrico de Boston e da Universidade Harvard. Entre os autores está também o biólogo computacional brasileiro Edroaldo da Rocha, pós-doutorando no laboratório de Daley.

“Durante anos, as pessoas conseguiram descobrir partes dessa receita, mas nunca tinham chegado lá para valer”, declarou à “Nature” Mick Bhatia, da Universidade McMaster (Canadá), que não participou do estudo. “É a primeira vez que alguém achou a receita inteira e produziu células-tronco sanguíneas.”

O termo para designar essas precursoras é “células-tronco hematopoiéticas” (do grego, “que fabricam sangue”). Em adultos, elas ficam na medula óssea e dão origem a uma grande diversidade de tipos celulares, das plaquetas que coagulam o sangue após um ferimento às hemácias que carregam oxigênio corpo afora, além de células de defesa.

No estudo, a equipe usou células-tronco embrionárias e as chamadas células iPS, que são obtidas de adultos mas sofrem uma reprogramação que as reconduz a um estado muito similar ao embrionário. Ambos os tipos foram transformados no equivalente de um tecido embrionário que, mais tarde, dá origem às células hematopoiéticas.

O segundo passo foi inserir nessas células, com a ajuda de um vírus, uma série de genes que contêm a receita para a fabricação de fatores de transcrição -“chaves-mestras” das células, que orientam sua transformação em tecidos específicos. A ideia era identificar quais fatores de transcrição seriam essenciais para produzir as desejadas células-tronco do sangue.

O teste definitivo foi injetar essas células na medula óssea de camundongos, como ocorreria se elas fossem doadas para pacientes humanos. Em alguns dos bichos, a coisa funcionou: tanto as células reprogramadas quanto as embrionárias deram origem a uma variedade de células de sangue.

As possíveis aplicações são muitas. Uma pessoa com uma doença do sangue de origem genética, por exemplo, poderia receber células-tronco hematopoiéticas derivadas de seu próprio organismo e “corrigidas” com métodos de edição de DNA. Isso, em tese, resolveria o problema de saúde e evitaria rejeição, já que as células doadas originalmente vieram do próprio paciente.

Também dá para imaginar a produção abundante de sangue em laboratório, minimizando a necessidade de doadores, ou testes mais rigorosos de tratamentos em animais de laboratório com sangue “humanizado”, como os camundongos do experimento.

O pesquisador brasileiro, porém, lembra que ainda é preciso melhorar muito a eficiência do processo, entre outras dificuldades técnicas.

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– Fonte: Jornal Folha de São Paulo