AVANÇOS CONTRA A DOR CRÔNICA

. Erros na comunicação dos neurônios e a influência do álcool estão entre os fatores estudados. Brasileiros desenvolvem nova classe de analgésicos.

Das armas do corpo, a dor é uma das mais eficientes. Ela acusa, em questão de segundos, um perigo iminente ao organismo, que busca formas de se proteger. Para algumas pessoas, porém, a ferramenta é mais sinônimo de sofrimento do que de sobrevivência. Em algum momento da vida, uma confusão nos sentidos transforma o desconforto normal em um distúrbio incurável e de difícil tratamento. Trata-se da dor crônica, um problema que instiga cientistas de todo o mundo inspirados pelo lema de que, quanto antes começar a intervenção, mais leve será o dia a dia do paciente.

Pesquisadores da Escola de Medicina de Harvard identificaram na medula espinha um importante mecanismo neural que envia sinais de dor errôneos ao cérebro. Há neurônios específicos envolvidos nesse processo. Segundo Martyn Goulding, coautor do estudo, mesmo feita em ratos, essa descoberta inédita permite aos cientistas começarem a desvendar a “caixa-preta” do problema em humanos. “Identificar os neurônios que compõem esses circuitos é o primeiro passo na compreensão de como a dor crônica decorre de processamento neural disfuncional (.) Pode ser que algo dê errado no funcionamento desse circuito espinhal e faça com que sensações emerjam com a dor”, explica. Entender o processo por completo pode ajudar, por exemplo, no desenvolvimento de remédios que neutralizem a ação das células nervosas defeituosas.

Também nos Estados Unidos, uma equipe da Universidade de Syracuse identificou uma associação perigosa do problema crônico com o consumo de álcool: o excesso de ingestão provoca mais desconforto. É comum, no entanto, pacientes recorrerem a bebidas alcoólicas para ofuscar a dor incapacitante. Doses moderadas, entretanto, podem se mostrar benéficas. “Pesquisas futuras podem informar aplicações teóricas e clínicas por meio da análise das relações temporais entre dor e consumo de álcool, ajudando no desenvolvimento de novas intervenções”, escreveram no artigo divulgado.

Pesquisadores do Instituto Butantan e da Universidade Stanford trabalham em uma molécula sintética que poderá dar origem a uma nova classe de analgésicos aparentemente sem efeitos colaterais, como dependência e complicações cardiovasculares. A Alda ativa a enzima ALDH2, que degrada os aldeídos – compostos formados em processos inflamatórios e que causam a sensação de dor. Quanto mais ativa for a ALDH2, menor é a quantidade de aldeídos –  e, consequentemente, a dor. A molécula foi testada em ratos com inflamações e apresentou resultados promissores. A próxima etapa consiste em tratar, ainda em animais, o desconforto mais crônico, como o causado pela artrite reumatoide.

Incidência
A Associação Internacional para o Estudo da Dor estima que o problema crônico afete o bem-estar fisiológico e psicológico de 15% a 30% dos adultos nos países ocidentais. Nos EUA, o número de adultos com dor crônica é estimado em 100 milhões. Um levantamento divulgado em 2013 pela Sociedade Brasileira de Estudos para a Dor (Sbed) mostrou que, aqui, a doença alcança até 40% da população, variando conforme a unidade da Federação.

“Uma lesão cicatriza em três ou quatro semanas e, se for em um tecido mais difícil, em até três meses. Quando a dor passa desse tempo, é um sinal de que há algo errado”, alerta Luís Cláudio Modesto, neurocirurgião funcional do Hospital Santa Luzia. Segundo o médico, que também é membro da Sbed, a dor anormal é processada por um circuito “doente, estranho, desorganizado e confuso”.

Existem alguns fatores para isso. Um deles é individual, o que significa que algumas pessoas são mais predispostas a desenvolver a enfermidade. “Se 100 soldados enviados para a guerra fossem alvejados na mesma mão e com a mesma arma, de 5% a 7% desenvolveriam o mal por terem características neurológicas e moleculares específicas”, exemplifica Modesto.

O médico acrescenta que a própria memória da dor pode desencadear o descontrole dos sentidos. Uma pessoa que sofre do problema durante muito tempo ou é vítima de uma dor mal tratada tem mais chances de desenvolver o problema crônico. “A dor aguda pode evoluir para esses processos mais graves e que costumam se agravar cada vez mais com o tempo”, esclarece Modesto.

“Uma lesão cicatriza em três ou quatro semanas e, se for em um tecido mais difícil, em até três meses. Quando a dor passa desse tempo, é um sinal de que há algo errado”
Luís Cláudio Modesto, neurocirurgião funcional do Hospital Santa Luzia.

 Fonte: CORREIO BRASILIENSE