ANTES QUE A DEPRESSÃO CHEGUE

Com 400 milhões de pessoas – 7% da população mundial – sofrendo de depressão, doença que mais incapacita para o mercado de trabalho de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), cresce a procura por estratégias eficazes de tratamento e controle. Para isso, é necessário criar métodos mais precisos de diagnóstico, o que, hoje, é feito apenas de forma clínica. Não existem exames para detectar o mal; os médicos se baseiam nos sintomas e relatos dos pacientes para situá-los no quadro depressivo.

Contudo, por maior que seja a experiência do profissional, a saúde mental é complexa, com diferentes distúrbios se manifestando de formas semelhantes. Além disso, há pacientes com maior resistência aos medicamentos ou risco elevado de recaída e, por ora, não há meios científicos de identificá-los antes que surjam os sintomas. A aposta é que biomarcadores possam fazer isso. Assim como a presença elevada de substâncias no sangue indicam colesterol alto, por exemplo, alterações no organismo seriam capazes de identificar a depressão.

O cérebro é o local em que os cientistas buscam essa resposta. No órgão, ocorrem as reações bioquímicas responsáveis pela liberação de hormônios associados ao bem-estar. A falta ou o excesso dessas substâncias está por trás dos transtornos mentais – fatores externos, como a vivência de um episódio traumático, podem alterar o padrão de produção dos neurotransmissores. No entanto, acredita-se que anomalias no comportamento das muitas redes de neurônios do cérebro podem, também, desencadear a depressão.

Uma das caçadas a biomarcadores cerebrais da doença indica que a amígdala tem papel importante. Essa estrutura, que não tem relação com as de mesmo nome localizadas na garganta, é uma parte do cérebro arredondada, com apenas 2cm de diâmetro, e considerada muito primitiva – os ancestrais humanos a possuíam. É na amígdala que ocorre o processo de resposta ao medo, quando, diante do perigo, decide-se enfrentá-lo ou fugir. Ela está diretamente associada a distúrbios de pânico e ansiedade.

Superativação
A pequena zona cerebral no formato de amêndoa apresenta padrões de ativação anormais em pessoas depressivas, indicou uma pesquisa publicada na edição desta semana da revista Neuron. A superativação das redes celulares da amígdala é detectável por um exame de imagem comum, a ressonância magnética, e a expectativa dos cientistas é de que, no futuro, essa seja uma forma de diagnosticar a doença precocemente, antes que os sintomas se agravem, comprometendo o bem-estar dos pacientes.

“Ao longo da vida, todos vamos passar por situações estressantes, como a morte de um parente ou o desemprego. A maior parte de nós é resiliente, mas, para algumas pessoas, esses acontecimentos vão desencadear problemas psicológicos graves, como ansiedade e depressão. Por isso precisamos identificar marcadores de risco, particularmente aqueles que refletem os processos biológicos fundamentais que possam ser alvo de prevenção e tratamento”, diz Johnna R. Swartz, pesquisadora do Departamento de Psicologia e Neurociência da Universidade de Duke, nos Estados Unidos. Ela é a principal autora do estudo, que acompanhou voluntários ao longo de quatro anos, para verificar se alterações na amígdala predispõem à vulnerabilidade psicológica diante dos estressores naturais da vida.

Swartz diz que, se há um biomarcador cerebral da depressão, a amígdala é o mais forte candidato. “A forma como ela reage pode ser indicadora de como aquele indivíduo lida com situações de estresse e medo”, sustenta. “Pacientes com depressão e ansiedade exibem um padrão de superativação da amígdala. Nosso interesse era saber se indivíduos sem histórico de depressão, mas com reação exacerbada nessa parte, tenderiam a sofrer o problema diante do estresse”, observa.

Experimento
Para tanto, os pesquisadores recrutaram universitários saudáveis que não tomavam medicamentos ansiolíticos ou antidepressivos nem apresentavam sintomas, com base nas respostas que deram a um questionário. Os 753 voluntários tinham de 18 a 22 anos – período estratégico, segundo Swartz, porque é quando, normalmente, emergem distúrbios psicológicos e psiquiátricos. Eles passaram por uma ressonância magnética, enquanto viam imagens de faces com expressões de raiva e medo. O exame identificou os padrões de reação da amígdala dos participantes, que tinham de completar questionários on-line anualmente, com perguntas sobre humor e nível de ansiedade.

No fim do período de estudo, 200 voluntários haviam participado de todas as fases. Cruzando as informações, os pesquisadores constataram que aqueles cuja amígdala reagiu com mais intensidade às fotos de raiva e medo eram os mesmos que apresentavam sintomas de depressão autodeclarados nos questionários diante de situações estressantes que surgiram ao longo dos anos. O neurocientista cognitivo Ahmad Hariri, coautor do estudo, explica que uma das abordagens práticas possíveis do resultado é intervir precocemente em indivíduos que passaram por uma situação traumática – a perda de um familiar ou o diagnóstico de uma doença grave, por exemplo – e, ao mesmo tempo, têm a amígdala hiperativa.

“Nossa descoberta contribui para estratégias de prevenção das doenças mentais ao identificar uma medida do funcionamento cerebral que indica aqueles em grande risco antes que se tornem doentes”, afirma Hariri, em nota. Johnna R. Swartz reconhece que não é fácil nem barato escanear o cérebro de qualquer pessoa que enfrentou uma situação difícil. A ideia, agora, é descobrir se há marcadores genéticos que sinalizem diferenças na atividade da amígdala. “Uma amostra de DNA coletada da saliva poderia ser mais fácil e barato”, acredita.

Tentativa e erro
No entanto, para a neurocientista Helen Mayberg, da Universidade de Emory, em Atlanta, o escaneamento do cérebro é, sim, uma ferramenta viável para o diagnóstico e o tratamento de depressão. Atualmente, a linha de pesquisa de Mayberg, financiada pelos Institutos Nacionais de Saúde dos EUA, é encontrar biomarcadores cerebrais que indiquem quais pacientes terão mais sucesso com medicação e quais serão mais beneficiados com terapia. “Temos que evitar estratégias desnecessárias e ineficazes”, destaca.

De acordo com ela, as estatísticas indicam que apenas 40% dos pacientes atingem a remissão depois de iniciado o tratamento. “Atualmente, trabalhamos com tentativa e erro. Lançamos mão de uma ou outra ferramenta por um, dois meses, e vemos se funcionou. Isso custa tempo, dinheiro e, o mais importante, sofrimento humano”, diz.

Há dois anos, Mayberg conduziu um estudo com 63 pacientes diagnosticados com depressão. Usando tomografia de emissão de pósitron, o PET scan, ela escaneou o cérebro dessas pessoas em estado de repouso. O exame mostrava quais áreas se ativavam mais na presença de glicose, o açúcar que abastece o metabolismo do órgão. Foram comparadas as imagens dos indivíduos que já haviam alcançado a remissão após o tratamento e aqueles sem melhora aparente.

No estudo da neurocientista, a área do cérebro com maior potencial de biomarcador foi a ínsula, pequena região extremamente associada às emoções. Pesquisas anteriores demonstram que a superativação das redes de neurônios dessa estrutura têm ligação com uma série de distúrbios psiquiátricos. Mayberg conta que, nos pacientes em que a atividade foi baixa na ínsula, o tratamento com terapia comportamental teve resposta muito maior que aquele com escitalopram, um antidepressivo de última geração. Entretanto, a superativação da ínsula indicou a remissão com medicamento e a inutilidade da terapia. A médica afirma que são necessários muito mais estudos para se confirmar o resultado, mas confia que, em um futuro nem tão distante, os exames de imagem cerebral serão a principal ferramenta de diagnóstico da depressão.

“Pacientes com depressão e ansiedade exibem um padrão de superativação da amígdala cerebral”
Johnna R. Swartz, pesquisadora da Universidade de Duke, nos Estados Unidos

 

 

Fonte: CORREIO BRASILIENSE