A medida do estresse e da ansiedade

Ficar extremamente nervosa ao ver um carro ou ônibus fechar o cruzamento entre duas ruas. Ferver de raiva quando uma moça estaciona na vaga de idoso. Levantar da cama junto com a angústia e não conseguir se livrar dela. Some a essas situações o ressecamento da pele, alergias, depressão, crises de choro e de agressividade. Daniele Gomes, de 33 anos, foi derrubada diversas vezes pelo Transtorno de Ansiedade Generalizada. Desde pequena, sabia que era “exagerada”, mas não tinha ideia que se tratava de um distúrbio. Teve de aprender na marra, com muita psicoterapia e algum remédio, a lidar com as crises, dando peso real às situações.

— Cenas como as do trânsito, que são pura falta de educação das pessoas, não podem me fazer tão mal quanto um problema de saúde na família. Mas faziam. Sempre ficava alterada por qualquer coisa. Tinha acessos de irritação, ficava agressiva, depressiva e infeliz.

Casos como o de Daniela pautaram o último Encontros O GLOBO Saúde e Bem-Estar, sobre estresse e ansiedade, na quarta-feira, na Casa do Saber O GLOBO, que contou com a participação do psiquiatra Antonio Egidio Nardi e da psicóloga Aline Sardinha, além da curadoria de Cláudio Domênico e da mediação da editora de Saúde do jornal, Viviane Nogueira.

Hoje, com a combinação de crise econômica e a sensação de insegurança nas grandes cidades, esse tipo de sentimento vem à tona. Vale notar que, segundo os especialistas, o estresse e a ansiedade nem sempre são prejudiciais ao ser humano. Ao contrário, são vitais para a sobrevivência. O problema surge quando esses sentimentos são contínuos, desproporcionais aos acontecimentos, chegando a interferir na qualidade de vida e na profissão.

Os sintomas físicos, como suar muito, ter dificuldade para respirar, sentir tremedeira, entre outros, podem ocorrer em ambos os casos. Na ansiedade adaptativa, desaparecem após superada a situação. Na patológica, não. São crônicos e podem durar a vida inteira.

A ansiedade é uma reação normal diante de situações que podem provocar medo, dúvida ou expectativa. Geralmente se manifesta nas horas que antecedem uma entrevista de emprego, o nascimento de um filho, uma viagem, uma cirurgia ou um revés econômico. Funciona como um sinal que prepara a pessoa para enfrentar o desafio e, mesmo que não seja superado, favorece sua adaptação às novas condições de vida.

Domênico chamou a atenção para um dado da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, divulgado em 2012, sobre as drogas mais vendidas no país. Os ansiolíticos, para a ansiedade, lideravam o ranking. E o Rio foi o estado que mais consumiu esse tipo de medicamento.

Leãozinho ou leãozão?

Nardi, professor titular da Faculdade de Medicina e coordenador do Laboratório de Pânico e Respiração da UFRJ, afirmou que o conceito de ansiedade era desconhecido até metade do século XIX (ela era considerada doença neurológica ou depressão). Explicou que é necessário diagnóstico para se chegar às patologias. E observou que, no caso das doenças psiquiátricas, o diagnóstico é uma convenção (não existem exames laboratoriais para esse rastreamento), resultado da soma dos sintomas e da reação ao tratamento.

— O diagnóstico é importante porque os transtornos de ansiedade, que fazem a pessoa ficar preocupada constantemente, são, muitas vezes, próximos aos casos da ansiedade “normal”. A evolução do tratamento, e não apenas a descrição dos sintomas, é determinante para a confirmação da doença ou não.

Aline Sardinha, presidente da Associação de Terapias Cognitivas do Rio de Janeiro, afirma que, após o diagnóstico, o ideal é casar a psicoterapia com medicação e exercício físico ou alguma atividade prazerosa.

Ela explicou que a psicoterapia trabalha a forma como as pessoas enxergam os problemas, como processam a informação, questionando suas avaliações e, também, como reagem aos pensamentos automáticos.

— O sinal do trânsito abriu. Ai meu Deus, atravesso ou não a rua? Isso tem de ser uma avaliação rápida, superficial — disse Aline, que comenta que a vida moderna nos leva a ter muitos momentos de estresse e que essas avaliações simples não devem aumentar a lista de preocupações. — Um homem das cavernas ouve um barulho e se pergunta: leãozinho ou leãozão? O corpo se prepara para correr e pronto, não quer arriscar. Mas hoje o problema é que “matamos um leão” por dia. Nosso sistema de alerta está ativado o tempo inteiro. A psicoterapia ensina o paciente a registrar suas reações e a trabalhar a forma como olha para as situações.

Domênico endossou a tese de Aline, mas afirmou que o exercício físico tem de ser prazeroso:

— O esporte faz parte do tratamento. Mas tem de ser algo que dê prazer. Não adianta fazer natação e ficar contando ladrilho. Vai ficar mais estressado — brincou Domênico.

Daniele, que não gosta de praticar esporte, encontrou outra forma para “extravasar”: com fome de livros, faz a terceira faculdade, de Pedagogia, após se formar em Letras e Matemática. Mas disse que não foi nada fácil chegar lá.

— Não como tudo o que vejo pela frente. Como livros — diz ela, que teve alergia e ressecamento da pele quando precisou interromper a terapia cognitiva comportamental.

De volta ao tratamento, agora no Ambulatório de Psiquiatria da Santa Casa, diz que se sente mais segura:

— Ainda me irrito quando vejo alguém estacionar em vaga de idoso. Mas, respiro fundo. Com a psicoterapia, passei a discutir as situações que vivo através de pontos de vista diferentes. Algo que não ocorria com as terapias com psicólogos que tentavam encontrar no meu passado o motivo das minhas angústias.

Exemplos do cotidiano ilustram casos

Para explicar a diferença entre a ansiedade “normal” e a patológica, vários exemplos do dia a dia foram usados como exemplo no encontro. E não houve quem não se identificasse com as situações.

— O estresse é uma reação do corpo para lidar com uma ameaça. Mas pode ser para coisa boa. Se vou casar amanhã, fico estressada porque tenho coisas a fazer. Mas tem gente que, de tão ansiosa, fica estressada em situações em que o sistema de alerta não deveria ser acionado. Se o metrô para entre uma estação e outra, não precisa acionar o alarme, achando que vai ficar sem ar. Um bom exercício é pensar num amigo nessa mesma situação. Será que ele faria algo diferente? Muito provavelmente sim — explicou a psicóloga Aline Sardinha.

Ela observou que, assim como existem famílias com “ouvido musical apurado, a ponto de interpretar as notas sem vacilo”, outras têm o mecanismo do medo muito atuante.

— E se? Será que? Vai que… É o que mais escuto dos meus pacientes. Se eu não sei onde meu filho está e ele não atende o celular, muito provavelmente ele está bem, mas não quero lidar com essa probabilidade e fico ansiosa, já me preparando para o pior. Essa intolerância à incerteza vai aparecer em todos os Transtornos de Ansiedade ou no estresse do dia a dia. E as pessoas vão organizando suas vidas tentando eliminar os riscos. Não andam mais de ônibus, não andam de bicicleta na Lagoa… Daqui a pouco a vida fica restrita.

O psiquiatra Antonio Egidio Nardi disse que é possível viver tranquilamente com alguns Transtornos de Ansiedade, como, por exemplo, a Fobia Específica (medo de animal, sangue, entre outros).

— Os quadros de Pânico, de Fobia Social e de Ansiedade Generalizada são idealmente tratados com terapia e medicação. Alguns quadros leves optam só pela medicação. Mas os quadros de moderado a grave devem fazer as duas coisas (terapia e medicação), além da atividade física — sugeriu Nardi.

Questionados pela plateia, eles disseram que nem sempre uma crise de Pânico evolui para a Síndrome do Pânico.

— Ter um ataque é possível, nascemos com essa habilidade. Mas não necessariamente evolui para a Síndrome do Pânico. Vai depender da forma como se maneja isso. Principalmente com crianças.

Fonte: Portal O Globo