A epigenética, Darwin e a obesidade

Por Antonio Carlos do Nascimento,

Doutor em Endocrinologia pela Faculdade de Medina da Universidade de São Paulo.

 

A teoria evolutiva Darwiniana sugere a adaptabilidade dos seres vivos às necessidades do meio ambiente como base da sobrevivência das espécies. À medida que surjam dificuldades que somente organismos portadores de características específicas suportem, serão estes os mais propensos ao fornecimento de gerações futuras.

Em 1865, Gregor Mendel expôs as leis da hereditariedade e o fez a partir de seus experimentos com ervilhas. Desde então é aceito que os genes são a única forma de transmissão das características biológicas de uma geração para as seguintes.

Sobre esse alicerce aceitamos que somos resultantes da mistura dos genes de um genitor e uma genitora ocorrida no momento da fecundação e, se não houver intercorrências, seremos essa mescla genética a interagir com o meio ambiente por toda uma vida.

Menos cartesiano do que parece, essas divisões celulares que resultam um organismo adulto com (prováveis) 40 trilhões de células, desobedecem frequentemente o protocolo. Sequências de DNA podem ser modificadas gerando novo código com possibilidade de alterar determinada qualidade e a isso se dá o nome mutação, que pode resultar em vantagem, prejuízo, ou traduzir mudança sem valia.

Ainda em solo lavrado pela sequência genética e adaptabilidade Darwiniana, organismos mais capazes ao armazenamento de energia na forma de gordura tiveram mais facilidade em sobreviver em tempos de escassez e com isso mais propensos a gerar proles. Em alguns organismos mais, em outros menos, mas, têm-se certeza de recursos genéticos permissivos ou indutores à obesidade, angariados entre perdas e danos estabelecidos por mutações no processo evolutivo.

Sob esse prisma somos o código genético e o meio ambiente a determinar os humanos que nos tornamos, mas, talvez pouco do que seriam nossos descendentes, que recebendo a mistura de nossos códigos os adaptariam em seus domínios ambientais.

 

Genética e obesidade

Contudo, a ciência demonstra a cada dia que somos capazes de transmitir à nossa descendência muito do que nos convertemos, seja por indução tóxica, comportamental, maléficas ou não, contudo, não estavam no pacote genético que recebemos de nossos pais. Como exemplo, podemos transmitir indução à obesidade por nos submetermos por necessidade e/ou envolvimento de hábitos contemporâneos à ingestão hipercalórica, especialmente de carboidratos e gorduras.

Essa transmissão se dá por epigenética, condição possível a partir da estrutura bioquímica que envolve o genoma, que pode suprimir ou fazer com que se expressem determinados setores de nosso material genético. Esse cobertor bioquímico de nosso código genético é modificado por incitações ambientais, patológicas e comportamentais, em particular hábitos alimentares, o que me cabe ao tema. Uma vez modificado é transmitido à nossa prole.

Um estudo desenvolvido em centros médicos suecos e dinamarqueses liderado pelo cientista Romain Barrès nos traz um exemplo para boa ilustração do assunto. Senão o mais recente, seguramente um dos mais objetivos, tendo sido publicado na revista Cell Metabolism.

O grupo avaliou os espermatozoides de treze homens magros e dez obesos, fazendo estudo adicional em seis desses últimos após cirurgia bariátrica. O estudo deduziu que os genes que controlam a regulação do apetite desses indivíduos se adaptam ao padrão alimentar, resultando em uma diferença de expressão gênica muito diversa entre espermatozoides de gordos e magros.

Um achado adicional espetacular foi encontrado após a reavaliação da expressão gênica de espermatozoides em seis indivíduos, um ano após serem submetidos à cirurgia bariátrica. Houve reversão nos perfis epigenéticos e consequentes expressões gênicas alinhadas àquelas de indivíduos magros.

 

Epigenética

Evidentemente é muito precoce para afirmarmos, mas, assim como as mamães se esmeram em boas condutas no entorno do processo gestacional, talvez os papais também possam dar mais chances aos seus descendentes fazendo o mesmo. Apenas uma divagação entre tantas possíveis.

Essa é apenas uma amostragem de como a epigenética regula os genes sem envolver mudanças na sequência do DNA, podendo ser transmitida às gerações futuras e bem mais que isso, ao menos algumas vezes, passíveis de reversão.

É claro que isso nos coloca em um universo lúdico e especulativo até que a ciência nos assegure caminhos. Terá muito importância quando formos capazes de saber como impedir as imposições ambientais no epigenoma, ou mesmo se queremos impedi-las.

Mais que isso, o quanto protegemos (ou não) nossa descendência sendo menos conscienciosos e mais resolutos em nossas convicções perante um universo midiático cada vez mais heterogêneo, mas não menos impositivo. Imagino que a epigenética fará com que nos repensemos e quem sabe nos refaçamos; Deus permita, para melhor.

Fonte: Veja São Paulo. 16.08.2018