Tecnologia alterou a forma como armazenamos lembranças: isso é bom ou ruim?

por Juliana Contaifer

Quando percebeu que a memória estava falhando, Sandra resolveu agir. Hoje, decora tudo.

Uma vida é feita de memórias. Boas e ruins. São pequenos e grandes acontecimentos, amizades, amores, desamores, viagens, desastres, milagres, encontros, desencontros, nascimentos e mortes que criam uma rede intrincada e única. Por meio das memórias, torna-se quem se é.

Para se lembrar de alguma coisa, é preciso prestar atenção. “O cérebro funciona em conjunto, como uma orquestra, mas há regiões que são especiais para a memória. Os hipocampos nos lobos temporais são estruturas soberanas da nossa memória e estão intimamente ligados aos nossos circuitos emocionais. O conteúdo emocional pode facilitar ou dificultar a consolidação de uma memória”, explica o neurologista Ricardo Teixeira, do Instituto do Cérebro de Brasília.

Hoje, as memórias não funcionam exatamente como há alguns anos. Antes da agenda de celular com milhões de espaços para contatos, antes das redes sociais que lembram os aniversários dos amigos, antes do Time Hop, que lembra o que aconteceu em determinado dia, guardava-se muito mais informação na cachola. Agora, tendo certeza de que as informações estão devidamente guardadas no celular, no tablet ou no computador, não é preciso prestar tanta atenção nos detalhes da rotina.

Sem contar com as informações pequenas que confiamos à tecnologia, até momentos que deviam ser aproveitados passam sem grandes marcas. Parece mais importante fazer uma foto maravilhosa, colocar nas redes sociais e provar que esteve no local. Uma reclamação recorrente de grandes músicos, acostumados a fazer shows para milhares de pessoas, são os celulares sempre apontados para o palco, prontos para captar todos os movimentos. Não se aproveita a experiência de estar ali, ao vivo, escutando suas músicas preferidas. No fim das contas, assiste-se ao show pela tela do celular.

Mas não confiamos nossas memórias apenas às tecnologias. Os amigos, companheiros que passam por situações semelhantes, também são um depósito externo importante para guardar pedaços de lembranças que o cérebro não dá conta de registrar.

Tecnologia ajuda ou atrapalha?
Com as facilidades da vida moderna, a cabeça ganhou um alívio. E não é algo necessariamente ruim. “Acredito que não há problema no curto, médio ou longo prazo. É um novo modo de usar nossos recursos. O mundo digital reduz nosso esforço para tarefas x ou y, mas acho que deriva essa energia cerebral ‘economizada’ para melhorar nossas habilidades w e z”, explica o neurologista Ricardo Teixeira.

A psicóloga Rita Faria, porta-voz da empresa Supera, de ginástica para o cérebro, explica que a tecnologia pode se tornar um desserviço quando gera uma relação de dependência. “O seu smartphone não vai ser criativo por você. A memória precisa ser usada, precisa de treino para se desenvolver. Se é toda delegada para o smartphone, corre-se o risco de prejudicá-la”, afirma.

A especialista explica ainda que a memória que fica armazenada no celular ou nas redes sociais não é a mesma que guarda acontecimentos importantes. Existe todo um conteúdo emocional por trás da criação de uma lembrança. Por exemplo, a maioria das pessoas lembra o que estava fazendo em 11 de setembro de 2001. Poucas recordam o que faziam no dia anterior, por exemplo. Os números de telefone e as datas de aniversário ajudam, sim, a exercitar o cérebro. “Treinar a memória faz com que você tenha uma possibilidade maior de se expressar no mundo. Se eu não tiver as questões de memória resolvidas, não tenho como falar o que eu tenho para dizer.”

Rita destaca que um dos efeitos do estímulo intelectual é a criação de novas conexões neurais, que favorecem o raciocínio e a criatividade. “Um bom exercício é não fazer a lista do mercado escrita, por exemplo. Se for muito difícil, procure algumas técnicas de memorização. O Ivan Izquierdo, um dos pesquisadores mais respeitados quando se fala de memória, destaca também a importância da leitura. É uma atividade que trabalha as memórias de curto e longo prazo”, conclui.

Para Ricardo Teixeira, as crianças que conseguem equilibrar o formato digital com a leitura convencional terão cérebros mais bem treinados no futuro. “O formato digital é mais curto, e é diferente do exercício cerebral da leitura de um livro de 400 páginas, no qual exercitamos a reflexão”, garante.

 

Fonte: Site Saúde Plena