Saudável ansiedade

Como lidar com a ansiedade diante da insegurança do nosso país? Recebi o desafio – disfarçado como um convite – para responder a essa pergunta durante o prestigiado congresso Brain, Behavior and Emotions, ocorrido este mês em Brasília. A tarefa me pareceu especialmente difícil porque não me permitiria apresentar a saída fácil de dizer: “Tratemos da ansiedade, oras”.

 

Primeiro porque, em se tratando de congresso frequentado por profissionais da saúde afeitos às ciências do cérebro, trazer essa mensagem seria como pregar aos convertidos. Todos ali sabiam identificar quando a ansiedade passa do ponto e torna-se um problema de saúde que mereça tratamento, seja medicamentoso, psicoterápico ou ambos.

E não só isso, também porque a ansiedade colocada em foco na pergunta não é necessariamente um transtorno mental. Ansiedade é uma função do organismo que apresenta variações normais ao longo do tempo. Às vezes estamos mais ansiosos, às vezes menos, sem que tais vales ou picos possam ser considerados patológicos. Diante da insegurança, contudo, temos estímulo para que ela se mantenha mais tempo mais alta, o que cria desconforto, mesmo que não a ponto de precisar de intervenção médica. Apresentar uma proposta para lidar com tal situação, portanto, não é tarefa corriqueira.

Minha sorte foi ter descoberto que toda emoção negativa tem aspectos positivos. Preparando meu próximo livro, O Lado Bom do Lado Ruim – no qual pretendo mostrar como as emoções negativas são fundamentais para nós -, cheguei à conclusão que temos seguido um caminho pouco eficaz para lidar com tristeza, raiva, medo. Não é possível, nem útil, tentar se livrar dessas emoções. O melhor a fazer é aceitá-las e aprender a ouvir o que elas estão tentando nos dizer.

 

A primeira coisa a fazer, então, é explicar às pessoas o que exatamente é a ansiedade. Como acontece com todo termo técnico que é incorporado ao vocabulário corrente, essa palavra passou a designar coisas muito diferentes do que significa originalmente. No discurso informal, tudo vira ansiedade: insônia, fome, expectativa.

No entanto, a rigor, ansiedade é a emoção que nos leva para o futuro, antecipando riscos ou ameaças (reais ou imaginárias), visando a nos preparar para reagir adequadamente. Tensão muscular, aceleração cardíaca, aumento de pressão arterial, sensação de perigo iminente, toda sua cadeia de reações nos leva na direção de enfrentar um perigo.

Uma vez que isso fique claro, é fácil mostrar como essa reação tem um grande valor adaptativo para os animais. Costumo dizer que todos somos descendentes de ansiosos, porque lá no tempo das cavernas quem ficou tranquilo demais não sobreviveu para deixar descendentes.

 

Foram os mais tensos, que se protegeram mais e reagiram mais rapidamente, ainda que com certo exagero, que passaram seus genes em frente até chegarem a nós. Quando essa preparação para ameaças sai do controle, podemos apresentar transtornos de ansiedade, mas isso não significa que tal característica por si só seja ruim. Ao contrário, na medida certa ela é de grande ajuda para o aprendizado, para nos colocar em ação, para o empreendedorismo. 

Dessa forma podemos desmistificar a ansiedade. Ela foi tão criticada nos últimos anos que ganhou uma indevida fama de vilã, como se fosse responsável por todos os males da vida moderna. Longe disso. Sem alguma ansiedade, não sairíamos do lugar. Por outro lado, quem gasta muito tempo se preocupando com ela acaba ficando ansioso de verdade, arriscando-se a adoecer.

 

São as pessoas que ficam muito ansiosas quando estão ansiosas, o que só lhes aumenta a ansiedade – e assim por diante, até uma crise de pânico. Aceitá-la como parte da vida, reconhecer que tende a ser cíclica e aproveitar para ouvir seus sinais pode ser bastante eficaz no alívio do seu componente negativo.

Resumidamente foi o que apresentei aos meus colegas, que divido agora com os leitores – tanto os ansiosos como os tranquilos. Não sabemos por quanto tempo ainda estaremos cercados de insegurança. Mas, enquanto estivermos, manter a ansiedade um pouco mais alta é mais sinal de saúde do que de doença.

Fonte: Daniel Martins de Barros, O Estado de S.Paulo. Publicado em 16.06.2019