‘Que a gente saia da epidemia sem amar controles de comportamento’, diz Pondé no ‘Mundo Pós Pandemia’

Luiz Felipe Pondé analisou as mudanças nas relações sociais e familiares em meio à pandemia do novo coronavírus no segundo episódio de “O Mundo Pós-Pandemia”. Em conversa com as jornalistas da CNN Daniela Lima, Mari Palma e Thais Herédia e a comentarista Gabriela Prioli, o filósofo e escritor detalhou como a chegada da COVID-19 pode interferir no comportamento das pessoas no futuro por causa da necessidade de controle social por parte das autoridades.

“A humanidade já passou por ‘n’ epidemias. Não uma que viajasse de companhia aérea tão rápido pelo mundo inteiro, mas a nossa civilização é a menos preparada para lidar com a epidemia. Não do ponto de vista tecnológico, mas para lidar com a incerteza”, acredita.

“A ansiedade relacionada à incerteza é muito forte na nossa época antes da epidemia, pois não estamos acostumados. O aumento da ansiedade me parece uma decorrência natural e saudável. A gente é cada vez mais ansioso porque tem sucesso em controlar as coisas. Muita gente vai lidar com isso tomando remédio, ansiolítico, que derruba o desejo pela vida”, prevê.

 

Vírus

Pondé afirma que o desconhecimento de como age o vírus já causa inquietação.

“A epidemia é um momento de grave crise de sentido, a gente tenta colocar coisas no lugar e fica desorientado. Essa desorientação chega da falta de certeza, da insegurança. A gente está saturado em dados, que não sabemos lidar.”

“A gente não sabe como o vírus mata direito, qual o processo. O vírus não quer dizer nada, é uma besta-fera, é a contingência pura, ele é cego, não sabe o que destrói. Todos são iguais perante o vírus, talvez nenhuma democracia consiga atingir o grau de igualdade do vírus”, compara.

 

Politização da epidemia

O filósofo analisa duas vertentes: políticos que tiram proveito da situação para crescer junto aos eleitores e os que tumultuam o processo.

“Se você tem uma figura que gera confiança materializada em resultados, isso acalma a população. Não acho que só o Brasil, os Estados Unidos estão bastante desorientados. No nosso caso, a gente sofre de um problema a mais, um crescente ceticismo em relação à gestão pública em geral. A gente tem um governo federal que está ali por fruto de uma crise institucional que ele agrava enormemente”, disse, exemplificando sua fala.

“O nosso presidente da República trouxe uma polarização no tratamento dos aspectos epidemiológicos na mídia brasileira que foi muito ruim. No Brasil, na mídia inclusive, acabou se instalando uma questão de, se você não é a favor de trancar todo mundo em casa, é bolsonarista”.

Com isso, há figuras que se destacam, como o governador de São Paulo, João Dória (PSDB). “A pandemia criou uma grande oportunidade política de lançar líderes. O governador de São Paulo quase por inércia é lançado a um protagonismo como esse e é o que está conseguindo capitalizar melhor até agora. Ele é o que está lidando melhor com a mídia, com o lugar que a ciência tem na crise, com a linguagem objetiva e se diferencia do Bolsonaro tratando bem a mídia”.

 

Sem autoritarismo

Pondé ressalta que é importante manter a democracia e os direitos adquiridos, sem se deixar seduzir por atitudes autoritaristas governamentais.

“Que a gente saia dessa epidemia, seja lá quando for, sem amar sistemas de controle de comportamento. Não quero que as pessoas comecem a pedir controle de comportamento. Temo que aconteça como herança uma certa simpatia por mecanismos de controle para diminuir o risco”, observa.

“Sou bastante arredio à ideia de que o Estado consiga controlar pessoas em um ambiente de epidemia. Teria de usar uma força policial gigantesca ou mecanismos de controle de comportamento tecnológico que até hoje não estamos acostumados. Não funcionaria. Você prenderia metade da população? Se resolver prender ou multar todo mundo, não vai funcionar”.

Apesar de se sentir mais frágil, a humanidade deve se reerguer sem essa muleta, alerta o filósofo. “Não peça para ser controlado, para ter um grande pai ou mãe que vai te dizer o que fazer. Na hora que você se seduz por essa forma, a possibilidade de você entrar em desespero é maior”.

 

Relações

O filósofo cita um dos efeitos da quarentena no matrimônio.

“Na China, no fim da quarentena, houve mais divórcios. Aqui também (vai haver). As pessoas vão descobrindo que os relacionamentos são mantidos pelas horas que a gente não está junto. O relacionamento saudável é mantido inclusive pelas ausências”, avalia.

A procura pela fé também deve subir. “Em momentos de perda de patrimônio, do casamento, filhos, pais, pessoas amadas em geral, grana, as pessoas passam por conversões religiosas. Nesses momentos as pessoas se convertem, vão para religiões que não tinham ou voltam a praticar as de origem. Há um vínculo direto entre o sentimento de perda e a busca religiosa. No momento da epidemia isso salta aos olhos”.

 

Futuro

E o que esperar quando a vida voltar ao normal?

“Eu acho que o mundo imediatamente pós-pandemia vai ser mais difícil do que era. Mais violento, explorador, pessoas com mais fome. Momentos de grandes sofrimentos são momentos de virtudes raras”.

Mas sem pessimismo. “Eu gostaria de chegar no mínimo no mundo que a gente tinha, nem no mundo melhor nem no pior. Gostaria de chegar no aeroporto para viajar tanto quanto eu viajava. Como será o Brasil depois da pandemia? Se mudar a saúde pública, já é alguma coisa”, aposta.

As relações interpessoais não deverão ser substituídas pelo mundo remoto, como somos obrigados a viver hoje. “O remoto é ótimo e será muito melhor usado. Mas a vida é presencial, se passa onde você possa dar um beijo em uma pessoa de fato. Nós somos uma espécie de toque. Quando acabar essa proibição, é possível que a gente se abrace mais, se beije mais, mas vai passar rápido”.

Pondé dá sua dica para viver bem nesse período de quarentena.

“Não fique trancado em casa achando que se respirar do lado de fora vai cair morto como num apocalipse zumbi. Claro que depende de onde você mora, mas quando você não sai de casa nem que seja para dar uma volta no quarteirão, o grau de paranoia aumenta. O medo atrai a morte, o desespero. Cultive um pouco de coragem, deixe de ser tão medroso, que achar que o mundo vai acabar”.

 

Fonte: CNN Brasil. Publicado em 25.04.2020