‘Pele’ artificial pode devolver sensação de tato a amputados

Tirando vantagem dos rápidos avanços na fabricação de circuitos eletrônicos flexíveis, eles criaram um material capaz não só de detectar variações de pressão ao toque similares às experimentadas pela pele natural como gerar sinais que podem ser assim interpretados por neurônios do sistema somatossensorial. Com isso, os usuários das próteses do futuro revestidas com este material poderiam recuperar controle motor para realizar tarefas delicadas, além de obter uma estimulação sensorial que pode aliviar a chamada dor do membro fantasma, mal que afeta cerca de 80% dos amputados.

– Esta é a primeira vez que um material flexível parecido com a pele pôde detectar pressão e também transmitir um sinal para um componente do sistema nervoso – diz Zhenan Bao, professora da Universidade de Stanford e líder da pesquisa, cujos resultados foram publicados na edição desta semana da revista “Science”.

A “pele” artificial sensível ao toque é composta por duas camadas de material plástico, em que a de cima funciona como mecanismo sensor enquanto a de baixo atua como um circuito que transporta os sinais elétricos produzidos e os traduz em estímulos bioquímicos compatíveis com os das células nervosas. Há cinco anos, Zhenan e sua equipe, que buscam uma solução para o problema do tato em próteses há uma década, já haviam descrito como usar plásticos e borrachas como sensores de pressão com base na elasticidade natural de suas estruturas moleculares, melhorando sua sensibilidade ao unir os materiais em uma estrutura parecida com um biscoito em camadas.

A partir disso, os cientistas espalharam bilhões de nanotubos de carbono pelo novo material, de forma que, quando submetido à pressão, ele aperte os nanotubos, permitindo que conduzam eletricidade. Assim, a “pele” artificial pode imitar o comportamento da pele humana natural, que transmite informações sobre a pressão para o cérebro na forma de pequenos pulsos elétricos. Esses pulsos funcionam de modo similar ao código Morse, com mais pressão espremendo os nanotubos cada vez mais próximos, fazendo com que mais eletricidade flua pelo sensor. Com menos pressão, o fluxo de pulsos diminui, indicando um toque leve, e na ausência de pressão os pulsos cessam por completo.

O trabalho dos cientistas, no entanto, não acabou aí. Ainda era preciso encontrar uma maneira de transmitir estes pulsos para células nervosas de modo que elas pudessem interpretá-los como uma sensação de tato. Para tanto, eles se uniram a pesquisadores da PARC, uma empresa do grupo Xerox, que desenvolveram tecnologia que usa impressoras do tipo jato de tinta para fazer circuitos eletrônicos flexíveis em plásticos. Com isso, eles puderam produzir uma segunda camada do material com dimensões que permitem seu uso prático como “pele” artificial.

Por fim, os cientistas de Stanford também tiveram que provar que o conjunto gera sinais que podem ser reconhecidos por um neurônio. Para isso, eles adaptaram técnica desenvolvida por Karl Deisseroth, também professor da universidade americana, que uniu genética e ótica no crescente campo de estudos conhecido como optogenética. Com base nos princípios da optogenética, eles produziram neurônios modificados sensíveis a frequências específicas de luz para simular o sistema nervoso humano e traduziram os sinais gerados pela “pele” artificial em pulsos luminosos, que então ativaram estes neurônios quando submetida à pressão.

Segundo Zhenan, a optogenética foi usada apenas para demonstrar que a “pele” artificial funciona e é compatível com sistemas biológicos, e outros métodos de estímulo das células nervosas deverão tomar seu lugar nas futuras próteses sensíveis ao toque, provavelmente uma estimulação elétrica direta. Os pesquisadores também esperam desenvolver e integrar à “pele” artificial outros sensores capazes de detectar as diferenças entre uma superfície áspera e uma macia, assim como entre uma fria e outra quente, ampliando a gama de sensações que ela pode transmitir.

– Ainda temos muito trabalho pela frente para levar isso dos experimentos para aplicações práticas – reconhece Zhenan. – Mas depois de trabalhar muitos anos nisso, agora vejo um caminho claro por onde podemos conduzir nossa pele artificial.

Fonte: Portal O Globo