Mercado de cordões umbilicais cresce no mundo, apesar de incertezas

Por outro lado, o administrador Mário Lyra recentemente resolveu interromper o mesmo serviço que era pago para sua filha Mel, já com 9 anos, pois acredita que seus benefícios são incertos demais. Trazida pelos avanços da ciência, essa é mais uma decisão que os pais precisam tomar, e o mercado crescente no mundo mostra que a opção tem sido vista com bons olhos, embora restem dúvidas sobre suas reais aplicabilidades e sobrem críticas acerca de propagandas enganosas.

Para tentar combater o mal-estar e manter a prosperidade dos bancos privados de cordão umbilical — que deverão movimentar US$ 15,2 bilhões no mundo até 2019, contra US$ 12 bilhões em 2012 —, o próprio setor criou a Associação Brasileira de Bancos de Células-Tronco. O presidente, Roberto Waddinton, diz que o objetivo inicial é arrumar a casa e resolver questões éticas pendentes, apesar de as primeiras empresas brasileiras estarem perto de completar 15 anos.

TRATAMENTO DE DOENÇAS SANGUÍNEAS

Coletado logo após o nascimento do bebê num procedimento rápido, o sangue do cordão umbilical é rico em células-tronco hematopoiéticas, capazes de tratar, por meio de transplantes e infusões, em torno de 80 doenças sanguíneas, como leucemias, linfomas, falência da medula óssea, anemias e síndromes mielodisplásicas. Mas Waddinton admite que há empresas que “vendem ilusões” que vão além disso.

— Empresas usam a esperança como marketing, mas falta substância científica por trás — critica o presidente, exemplificando: — Há um malabarismo semântico de convencimento. Dizem, por exemplo, que as células-tronco são usadas no exterior para tratar mal de Alzheimer, Parkinson e diabetes, mas, na verdade, estão sendo testadas em estudos clínicos.

Waddinton diz que a associação está revisando o material de divulgação de seus associados, que, por enquanto, conta com seis das 13 empresas brasileiras — outras cinco estão pendentes e duas rejeitaram participar.

— Queremos eliminar expressões como “esta é a única alternativa terapêutica” ou “seguro biológico”. Por quê? Há garantia de que as células-tronco vão salvar a vida do seu filho? Não. Então, não é um seguro — explica Waddinton, condenando ainda o uso de celebridades em propagandas. — Essa é uma decisão de natureza médica, não deveria haver este tipo de interferência.

Para a inciativa, foi criado um comitê de ética independente, que avaliará conteúdo e proporá outras mudanças. O oncologista Gilberto Lopes, diretor científico do Grupo Oncoclínicas do Brasil, é um dos integrantes.

— É importante que eles deixem claro que a probabilidade de uso da amostra é pequena, para que a família possa tomar uma decisão consciente — afirma Lopes, que, ainda assim, defende o procedimento. — Mas, mesmo pequena, caso o paciente precise, pode fazer diferença entre a vida e a morte.

Quem precisa de transplante ou infusão recorre primeiramente aos bancos de medula óssea, que armazenam 25 milhões de amostras no mundo. O uso de cordões umbilicais começou a se popularizar nos anos 90, como uma terapia alternativa àqueles que não tinham doador de medula compatível, principalmente para leucemia. Em seguida, o setor segmentou-se entre bancos públicos — estão disponíveis à população — e privados — de uso exclusivo das famílias pagantes no país.

A coleta custa em média R$ 3 mil, e a taxa de armazenamento em tanques mantidos a temperatura negativa é de cerca de R$ 600 por ano. No caso do público, não há custo para a mãe, mas a filosofia é diferente. Não é possível doar voluntariamente. Profissionais de maternidades credenciadas selecionam as doadoras num sistema de amostragem. E esse material poderá ser usado por qualquer pessoa que busque um doador.

No mundo, há 637 mil amostras de cordão umbilical em bancos públicos, dos quais 12 mil foram usadas. Em bancos privados, há 3,6 milhões de amostras armazenadas, e 1.179 foram úteis.

DECISÕES BEM PENSADAS

Uma dessas amostras guardadas é de Theo Batista, filho de Marcella, que diz estar mais tranquila com a decisão tomada e elogia os cuidados que recebeu da equipe da empresa escolhida.

— Tomara que a amostra nunca seja usada, que tenha sido um dinheiro jogado no lixo, mas, para mim, era algo primordial a ser feito, e minha decisão teve o apoio da minha obstetra — afirma Marcella, lembrando que tinha acompanhado o caso da filha de sua chefe que, após dois anos internada por problemas na medula, conseguiu a doação de material de cordão umbilical.

Já Mário Lyra optou pelo serviço há nove anos, quando era uma nova aposta.

— A técnica parecia ser muito promissora à época — conta Lyra, que agora está revendo sua decisão. — Comecei a me questionar e pesquisar mais sobre o tema. Hoje não acredito na proposta, não vi grandes evoluções em dez anos. Acho que ela continuou só como aposta. Vamos investir mais numa alimentação saudável e numa vida feliz como forma de prevenir doenças.

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o Instituto Nacional do Câncer (Inca) e grupos de cientistas e instituições aqui e no exterior — entre elas a Associação Americana de Pediatra — têm demonstrado preocupação com o setor. Coordenador do Registro Nacional de Doadores Voluntários de Medula Óssea, da Rede BrasilCord (de bancos públicos) e do centro de transplante do Inca, Luis Fernando Bouzas é um dos críticos da “febre” de bancos privados:

— Pode ser que uma nova descoberta traga outra perspectiva no futuro, mas, neste momento, eles têm uma utilidade muitíssimo limitada para o tamanho do investimento que se tem feito.

No Brasil, 175 procedimentos foram feitos a partir do material de cordões de bancos públicos. Estes armazenam 18 mil amostras e a expectativa é chegar a 60 mil nos próximos cinco anos, número considerado suficiente por Bouzas. Nos privados, 13 amostras de 93 mil (até 2013) armazenadas foram usadas para fins terapêuticos, segundo dados divulgados em janeiro pela Anvisa. No ano passado, as amostras já chegavam a 98 mil.

— Pegam as mães num momento de fragilidade emocional e dizem que é uma garantia de futuro para o filho, mas não é bem assim — afirma a geneticista Mayana Zatz, da USP.

Para o caso da leucemia, por exemplo, Mayana explica que nem é recomendado usar o material do próprio cordão, porque o conteúdo genético da amostra é o mesmo que levou ao desenvolvimento da doença. Além disso, o sangue do cordão pode ser usado em pessoas com cerca de 50 kg, portanto dificilmente serviria para um adulto. Finalmente, há poucas garantias de que o material estará em boas condições daqui a algumas décadas.

— Se a pessoa quiser congelar algum material, recomendamos que opte pelo tecido do cordão, porque nossas pesquisas mostram que ele é rico em células mesenquimais, que têm um potencial maior do que as do sangue. Hoje há empresas que já fazem isso — orienta a pesquisadora.

Diretor do Instituto de Pediatria da UFRJ, Edimilson Migowski é mais entusiasmado com a técnica. Para ele, os bancos públicos hoje não são suficientes para a demanda da população e esta será ainda maior futuramente:

— Com o envelhecimento da população, a incidência de doenças vai aumentar e levar a um uso maior das amostras.

Fonte: Portal O Globo