Luta contra o diabetes entra em uma nova era

Estudo apresentado em congresso nos Estados Unidos mostra eficácia de medicamento que reduz risco de eventos cardiovasculares e incidência de crises de hipoglicemia em pacientes graves

por Ellen Cristie
San Diego, Califórnia – Medicamentos com maior mecanismo de ação, atendimento personalizado ao paciente e uma visão mais refinada sobre as complicações do diabetes. Reunidos durante cinco dias em San Diego, na Califórnia, mais de 16 mil médicos e pesquisadores de 112 países participaram da 77ª edição das Sessões Científicas da Associação Americana de Diabetes e apontaram um novo momento para o tratamento do diabetes, doença que afeta 415 milhões de pessoas em todo o planeta.
Entre as novidades apresentadas durante o congresso, dois estudos chamaram a atenção da comunidade médica e prometem impulsionar novas descobertas para o tratamento de pacientes com diabetes. Ambos cumprem as normas do órgão regulador de saúde dos Estados Unidos – o Food and Drugs Administration (FDA), que nos últimos anos exige que todo medicamento prescrito para o controle do diabetes seja seguro do ponto de vista cardiovascular, ou seja, não contribua para o aumento de casos de doenças cardiovasculares, principal causa de mortes por diabetes, correspondendo a 60% dos óbitos de pacientes com a doença.

Um dos estudos, o Devote, comparou duas insulinas basais: o uso da degludeca e da glargina, durante dois anos, em 7.637 pacientes adultos com diabetes tipo 2 com alto risco de doenças cardiovasculares. Destes, 303 foram brasileiros captados em 10 centros de pesquisa. Os resultados foram positivamente surpreendentes. “A degludeca reduziu em 40% a taxa de hipoglicemia grave e em 53% a hipoglicemia noturna”, explica o cardiologista José Francisco Kerr Saraiva, professor titular de cardiologia da Faculdade de Medicina da PUC-Campinas e coordenador de Normatizações e Diretrizes da Sociedade Brasileira de Cardiologia.
A hipoglicemia ocorre quando os níveis de açúcar (glicose) no sangue estão abaixo dos índices considerados normais, ou seja, menores que 70mg/dl. A hipoglicemia é apontada como a principal complicação decorrente do uso da insulina, podendo levar à morte.
Nos casos mais graves, como no período noturno, o paciente com diabetes pode dormir e ser acometido de convulsões, alterações na pressão arterial, arritmias graves que podem anteceder à parada cardíaca, infarto do miocárdio, transtornos neurológicos e óbito, caso não seja socorrido a tempo.

Para José Francisco, assim como o diabetes, a hipoglicemia – dada a sua gravidade – é uma questão social que envolve não só o estilo de vida do paciente. “É também um problema dos médicos que precisam se aprofundar no assunto, do governo que precisa priorizar a saúde, das famílias que não se envolvem com o momento correto da alimentação do diabético, dos pais que comem açúcar na frente dos filhos diabéticos, dos cuidadores, enfim, de todos os envolvidos com os cuidados desse paciente”, comenta.

MARCO NO TRATAMENTO Outro estudo apresentado durante o congresso foi o programa Canvas, que demonstrou a eficácia da canagliflozina na prevenção de eventos cardiovasculares. A pesquisa contou com mais de 10 mil pacientes com diabetes tipo 2 de 30 países e o medicamento reduziu em 14% o risco de doenças cardiovasculares e em 33% o risco de hospitalizações em decorrência de insuficiência cardíaca, além de impactar a progressão da doença renal e diminuir os níveis de açúcar no sangue.
A droga também mostrou-se eficaz na redução da pressão arterial e na perda de peso. Segundo Vlado Perkovic, diretor do The George Institute, na Austrália, e co-autor do estudo, os resultados podem ser considerados um marco no tratamento do diabetes tipo 2. “A canagliflozina não somente reduziu o risco de doenças cardíacas como também oferece proteção contra insuficiência renal, problema que afeta milhares de pessoas com diabetes.”
Resultado relevante
“A hipoglicemia não é apenas um incômodo que o paciente com diabetes sente. Ela é um fator de risco da doença e a principal barreira para que o indivíduo consiga alcançar o controle metabólico de seu organismo. É por isso que os resultados do Devote são relevantes. Além de ser um estudo com baixa taxa de abandono, menos de 2% dos pacientes deixaram o tratamento, comprovou-se que a insulina degludeca é eficiente na redução de casos de hipoglicemia e na consequente diminuição de complicações cardiovasculares nos pacientes. Existem entre 10 milhões e 14 milhões de brasileiros com diabetes tipo 2.

LONGO CAMINHO A PERCORRER NO BRASIL

Embora as pesquisas sobre o diabetes tenham evoluído a passos largos nos últimos anos – tendo a tecnologia como aliada – com medidores de glicose cada vez mais modernos, canetas aplicadoras de insulina e bombas de infusão quase indolores – não há como negar que o Brasil ainda tem um longo caminho a percorrer no que se refere ao atendimento adequado ao paciente.
‘Existem entre 10 milhões e 14 milhões de brasileiros com diabetes tipo 2. Estima-se que a metade não sabe que tem diabetes e o problema já começa aí’, diz Rodrigo Moreira, endocrinologista e integrante da diretoria da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (foto: Ellen Cristie/EM/D.A Press )
Segundo o endocrinologista Rodrigo Moreira, da diretoria da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia e coordenador científico do ADA pela Sociedade Brasileira de Diabetes, é possível encontrar no Brasil praticamente todos os remédios existentes em países desenvolvidos, como os EUA.

“Temos liraglutida, dulaglutida, empagliflozina, canagliflozina e dapagliflozina, ou seja, quase tudo o que os EUA têm, com duas exceções, e com a diferença de que lá o governo oferece essa gama de medicamentos gratuitamente. No Brasil, não”, comenta.

O custo de um paciente diabético que usa remédios e insulina no Brasil pode variar de R$ 150 a R$ 300 por mês, sem contar os equipamentos eletrônicos que facilitam a vida dos pacientes. “Apesar de estarem disponíveis, atendem apenas uma pequena parcela da população.”

INIMIGO DESCONHECIDO Rodrigo Moreira enfatiza que o quadro de diabetes no Brasil torna-se preocupante à medida que as estatísticas crescem. “Existem entre 10 milhões e 14 milhões de brasileiros com diabetes tipo 2. E estima-se que a metade não sabe que tem diabetes e o problema já começa aí.”

Ele explica que ter a glicose alta (veja tabela) não significa necessariamente que o paciente vá ter ou perceber os  sintomas. Muitas vezes, a doença é assintomática, mesmo que a pessoa apresente índices de glicemia entre 150 e 250. “Ao ser diagnosticado, o que pode demorar entre 3 e 5 anos até que ele chegue ao consultório, a glicose alta do paciente de diabetes tipo 2 já está atacando os olhos, o rim, o nervo, as artérias.”  O endocrinologista ressalta que outro erro é atrelar o diabetes somente ao açúcar. “As pessoas se esquecem do arroz, do macarrão, da farinha etc.”

O que mais impressiona é que um simples exame de sangue é um indicativo para o quadro de diabetes e, mesmo apresentando índice glicêmico elevado, muitas pessoas preferem seguir em frente, sem procurar tratamento. “Há duas formas de tratar o diabetes: o paciente pode simplesmente ter glicose alta, tomar remédio e não fazer nada. Passado um tempo, a dose de medicação aumenta e ele continua sem fazer nada. Vira uma bola de neve. Ou ele pode se cuidar e ter qualidade de vida com alimentação balanceada e atividade física regular”, completa Rodrigo Moreira.

 

Fonte: Site Saúde Plena