Jane Austen: Quatro dicas de saúde que estão escondidas nos romances da escritora

Os romances da escritora Jane Austen (1775-1817) podem ser considerados uma janela para a alta sociedade inglesa do início do século 19. O que poucos leitores sabem é que, além de fazer um retrato crítico de sua época, a autora inglesa também estava preocupada com algo mais simples.

As ideias da autora sobre temas como saúde e bem-estar estão à disposição dos leitores há mais de dois séculos e incorporados em quase tudo o que foi escrito por Austen, como demonstra essa passagem de Emma: “Quando se trata da saúde, nada mais importa”.

O tema da saúde aparece já em seus primeiros textos, segue presente em Emma e Persuasão e ganha protagonismo em seu último e inacabado romance, Sanditon. Ironicamente, à medida que a saúde da própria autora se deteriorava, mais ela escrevia sobre valorizá-la.

Ela morreu aos 41 anos, após desenvolver o que hoje se conhece como doença de Addison, em que há um déficit de produção, pelas glândulas suprarrenais, de certos hormônios.

A palavra “saúde” aparece mais de 100 vezes nos seus seis romances mais celebrados. Além disso, quem analisar de forma mais atenta suas obras vai perceber que a recuperação da saúde com frequência é pano de fundo dos finais felizes de Austen, uma recompensa concedida aos personagens mais merecedores, desde Marianne Dashwood, de Razão e Sensibilidade, a Anne Elliot, de Persuasão, cuja história começa com uma debilidade em seu estado de saúde.

Eu mesmo descobri recentemente. Ainda que meu interesse pela obra de Jane Austen venha desde a adolescência, só mais tarde notei algo extraordinário: o que a autora falava sobre saúde há mais de 200 anos e o que a ciência divulga hoje têm muitas similaridades.

Por isso, vale à pena prestar atenção na forma como seus personagens mais “saudáveis” comiam, se exercitavam e refletiam sobre a própria aparência.

Essa descoberta me levou a um projeto de pesquisa que transformou para sempre a imagem que tinha de Austen: de “solteirona desiludida” a guru atemporal da saúde com uma brilhante sagacidade.

Repliquei a dieta da romancista por mais de dois anos, incorporando estratégias de bem-estar encontradas em seus textos sobre a vida cotidiana, encontrando formas novas e fascinantes de abordar velhos problemas do corpo.

A seguir, conheça algumas das muitas lições para a saúde que Austen imortalizou:

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1. Avalie sua saúde e bem-estar de forma integral

Ainda que os livros de Austen possam trazer uma receita simplória para o sucesso do casamento (homem bonito + grande fortuna), no que se refere à saúde, a autora não era nada reducionista. Em contraste com alguns conceitos contemporâneos sobre o tema – mais focados em números, como o que a balança indica ou em taxas como o índice de massa corporal -, Austen via isso de forma mais ampla.

Etimologicamente, a palavra health (saúde, em inglês) significa “completo”. Vem do inglês arcaico “hale” (robusto), algo que deveria dar um caráter rejuvenecedor ao corpo, ao estado de ânimo e à mente.

Não é coincidência que os personagens mais “saudáveis” de Austen não olhassem para o exterior na busca pela saúde. Eles levavam em conta muitos outros fatores: seus níveis de energia, sua relação com a comida e com os exercícios, a comodidade física e a felicidade mental.

Até o brilho na pele era levado em conta. Austen se refere a ele como uma “imagem da saúde” mais completa em Emma, ​​algo que pode florescer, independentemente das dimensões corporais.

Em vez de promover um padrão único de beleza física, os romances de Austen trazem uma ampla gama de formas e tamanhos de corpos. Desde a “roliça” Harriet Smith em Emma até a “robusta” senhora Croft de Persuasão, passando pela figura “vigorosa” e curvilínea de Lydia Bennet em Orgulho e Preconceito.

Não nos esqueçamos da bela Jane Fairfax de Emma, descrita em termos deliciosamente ambíguos como “uma média justa, muito apropriada, entre grosso e delgado“.

Em resumo, os corpos atraentes podem ser de “todos os distintos aspectos”, como disse Elinor em Razão e Sensibilidade, uma afirmação que antecipa brilhantemente como entendemos hoje as diferentes formas corporais.

Exemplos como estes mostram como, para Austen, a saúde não se restringia a um número na balança ou ao tamanho de um vestido. Isso é especialmente relevante se levarmos em conta que, no fim do século 18, tornou-se comum na Inglaterra o hábito de se pesar – o que chegou a alimentar uma obsessão com o peso que, paradoxalmente, minou a saúde de muitos dos contemporâneos da escritora.

Foi uma época em que se popularizou a tendência dos corpos extremamente magros, que beiravam o semblante de enfermos.

Aliás, Marianne Dashwood se viu envolvida em um disparate desse nível em Razão e Sensibilidade. “Confessa, Marianne”, disse sua irmã Elinor. “Você não acha que existe algo de interessante nas bochechas rosadas, nos olhos fundos e no pulso acelerado da febre?”

Talvez nenhum outro autor tenha embarcado mais nessa moda do “aspecto de tuberculoso” do que Lord Byron. O famoso poeta, que nunca foi comedido, foi um dos primeiros controladores “neuróticos” do peso: se pesava compulsivamente e se submetia a ciclos intermináveis de dietas quando o número não era do seu agrado.

Austen parece refutar repetidamente a moda da época que pregava que a magreza por si só tinha alguma correlação com saúde e felicidade.

Basta perguntar a qualquer um de seus personagens cômicos – Sr. Woodhouse, Mary Musgrove ou Lady Bertram – que passam tempo demais preocupados com o próprio corpo, de maneira míope, enquanto se esquecem da imagem mais ampla de bem-estar integral.

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2. Não seja obcecado por comida

Apesar das referências escassas à comida em si, os livros de Austen dão a impressão de que ela entendia a cultura moderna de obsessão por comida melhor que muita gente hoje.

Assim como nossa época, a era georgiana foi um tempo de excessos. Graças a avanços nas técnicas de cultivo, os alimentos eram mais abundantes que nunca na Inglaterra – e a crescente classe ociosa tinha mais tempo para aproveitá-los. Essa combinação implicava riscos inevitáveis à saúde, mergulhando parte das classes mais abastadas em uma miniepidemia de obesidade.

Como escreveu o médico Thomas Short no século 18: “Creio que nenhuma época se pode permitir mais casos de corpulência que a nossa”.

A autora revelou essa inquietação em sua obra, criando personagens obcecados com a comida como o Sr. Hurst de Orgulho e Preconceito, “que vivia apenas para comer”.

E enquanto seus contemporâneos defendiam dietas rígidas para dar conta do problema, ela tinha outras cartas na manga. Seus romances fazem referência a estratégias mentais como comer de forma satisfatória e saudável em uma época de excessos.

Um de seus “conselhos” consiste em adotar o que ela chama de “um ar apropriado de indiferença” diante da comida: a importância de manter certa distância emocional na relação com os alimentos.

Suas heroínas são famosas por isso: se negam a falar, pensar ou exteriorizar seus sentimentos sobre alimentos além do absolutamente necessário. Em Orgulho e Preconceito, por exemplo, a breve amizade de Lizzie com o Sr. Hurst é interrompida quando ela se nega a embarcar em uma conversa sobre as delícias de um ensopado saboroso que ele não consegue parar de comer.

Austen não era, entretanto, puritana quando se tratava de comida: pelo contrário, desfrutava plenamente destes prazeres, como demonstram suas cartas pessoais.

Mas reconhecia os inconvenientes de aprofundar demais a relação com os alimentos. Basta perguntar ao Dr. Grant de Mansfield Park, cuja compulsão por comida o condenou a uma morte precoce (um dos poucos personagens que morrem nos romances da autora).

A ciência moderna confirma a sabedoria intuitiva de Austen. Hoje em dia, muitas pesquisas apontam que pensar em comida quando se tem fome pode estimular o pâncreas a produzir insulina, o que, por sua vez, gera sinais poderosos de fome para o cérebro.

A autora parece compreender o que só se começou a discutir na década de 1950: que a única forma de não se deixar ser controlado pela comida é de fato comê-la.

Pode parecer um paradoxo, mas ninguém consegue enganar os hormônios da fome indefinidamente – e Austen assegura que suas heroínas comam de forma naturalmente satisfatória.

Ainda que possa ser considerada mentalmente estoica em relação a comida, Catherine Morland se orgulha de possuir um “bom apetite” em uma cena na abadia de Northanger. Ela simplesmente come quando tem fome, mesmo que seja tarde da noite, depois de um baile.

Emma Woodhouse, por sua vez, respeita os chamados da natureza, dizendo que “comeria alguma coisa se tivesse fome”.

Os lembretes simples de Austen para comer bem, com regularidade e sem culpa hoje podem soar tão revolucionários quanto no início do século 19. Isso porque as tendências da época ditavam exatamente o contrário.

“Nunca se deve ver uma mulher comendo ou bebendo”, dizia Lord Byron, espelhando um sentimento sexista do período, que considerava o ato natural de comer como algo distante do feminino.

Essa foi uma das primeiras características culturais da época que Austen criticou, ainda adolescente e com uma sagacidade mordaz, em Amor e Amizade. Sobretudo quando reconhece com franqueza: “Primeiro, foi necessário comer”.

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3. Exercite-se

Austen foi uma grande defensora da prática de exercícios físicos, especialmente para as mulheres.

O culto à sensibilidade que havia no século 18 acabou prejudicou a definição do feminismo da época ao difundir a “ideia de fraqueza”, como observam especialistas daquele período como Edmund Burke. “As mulheres são muito sensíveis”, escreveu, “por esta razão, aprendem a balbuciar e a dar risadinhas enquanto caminham, para esconder sua fraqueza”.

Austen contra-atacou: “Não creia que sou uma jovem elegante”, dispara Lizzie Bennet em Orgulho e Preconceito.

A autora abraçou uma filosofia quanto à atividade física que poderia ser chamada de “exercício intuitivo”. Ao contrário dos pesos e dos grunhidos que se ouvem nas academias modernas, isso compreenderia movimentos fáceis e naturais. Forçar o corpo a ir além da zona de conforto físico, nesse caso, não seria uma estratégia sustentável para estar em forma.

Daí a sensata lógica de observação da britânica em Mansfield Park: “Nada me cansa mais do que fazer o que não gosto”.

É também interessante observar o uso de palavras agradáveis e que produzem prazer – como “cômodo”, “delicioso” e até “acolhedor” – para definir os treinos diários de personagens de Austen, que envolvem pouco suor ou esforço físico.

Os romances não aconselham nada além do movimento frequente e rotineiro, seja um passeio até o povoado mais próximo, um baile campestre ou simplesmente uma “volta” pela casa.

Em vez de uma postura de culpa, do atual no pain, no gain (lema que pode ser traduzido em algo como “sem dor, sem resultados”), os personagens de Austen se sentem em forma e satisfeitos apenas desfrutando das “felicidades do movimento rápido”.

A ciência parece ter alcançado Austen, redescobrindo o conceito por trás da ideia de que o corpo é uma espécie de machina carnis, uma “máquina” que precisa mais se movimentar com regularidade (não necessariamente mais vigorosamente) para manter seus mecanismos metabólicos funcionando sem problemas. Caminhar, claro, foi e continua sendo a melhor forma de fazer isso.