Gorduras saturadas ainda são vilãs da dieta

Jane Brody – The Times’s Science 

 

A mídia adora histórias inesperadas que supostamente jogam por terra conselhos e crenças seguidas há muito tempo. Entre as mais populares no campo da saúde estão as que dizem que as gorduras saturadas não provocam doença cardiovascular e que, em vez disso, os óleos vegetais que somos encorajados a consumir podem promover essas doenças.

Mas os fatos comprovados sobre gorduras alimentares dizem o oposto. Até onde os óleos vegetais poli-insaturados sustentam sua reputação em matéria de saúde, comparados a gorduras saturadas como manteiga, gordura de carne bovina, toucinho e até mesmo óleo de coco?

Isso depende da qualidade, dimensões e tempo de duração dos estudos e de quais alimentos são consumidos quando se comem menos gorduras saturadas.

Assim, antes de sucumbir à tentação de achar que se pode comer costelas de porco e laticínios integrais à vontade, é aconselhável levar em conta as conclusões de um estudo que é provavelmente o mais amplo e intocado por considerações comerciais já publicado sobre gordura.

Trata-se de uma recomendação da Associação Americana de Cardiologistas. Os cientistas foram liderados por Frank Sacks, professor de prevenção de doenças cardiovasculares na escola saúde pública da Universidade Harvard.

O estudo ajuda a explicar por que a campanha travada há décadas para reduzir a incidência de doenças cardiovasculares, afastando a dieta americana do consumo de gorduras animais, não tem tido tanto êxito quando poderia e como ela involuntariamente levou ao alargamento das cinturas e a uma epidemia de diabetes tipo 2.

Quando as pessoas reduzem o consumo de um nutriente específico, geralmente o substituem por outra coisa para manter a ingestão calórica necessária. Em muitos casos, gorduras saturadas —e outras— deram lugar a carboidratos e açúcares refinados.

Mas as pessoas sentem falta das gorduras pouco saudáveis, e, na mania mais recente, podem ter se apegado ao óleo de coco com a ideia equivocada de que sua gordura principal, altamente saturada, o ácido láurico, e outros nutrientes possam favorecer a saúde, em vez de prejudicá-la.

 

ESTUDOS ANTIGOS

 

O novo estudo diz que as conclusões enganosas de que as gorduras saturadas não afetam nosso risco de desenvolver doenças cardiovasculares resultaram em grande medida de pesquisas realizadas de boa-fé, mas que não levaram em conta o que as pessoas que evitavam as gorduras saturadas comiam no lugar delas.

Vários ensaios de outro modo bem projetados envolveram poucos participantes ou não tiveram duração suficiente para chegar a conclusões cientificamente válidas.

Alguns estudos talvez não tenham demonstrado benefícios da redução das gorduras saturadas porque os participantes teriam substituído essas gorduras por óleos vegetais parcialmente hidrogenados com gorduras trans — ainda mais prejudiciais aos vasos sanguíneos do que as gorduras animais.

Esse foi um problema do estudo do coração de Sydney conduzido de 1968 a 1973: o grupo experimental recebeu margarina com alto teor de gordura trans, resultando em mais eventos cardiovasculares que entre o grupo que continuou a comer muitas gorduras saturadas, como manteiga.

Ao reunir os resultados de quatro estudos de base dos anos 1960, Sacks viu que reduzir a gordura saturada e substituí-la por óleo vegetal rico em gorduras poli-insaturadas, principalmente óleo de soja sem gorduras trans, reduziu as doenças cardíacas coronarianas em 29% —benefício semelhante ao obtido com o consumo de estatina para reduzir o colesterol.

Em pesquisas posteriores, a maior influência sobre os resultados foi a dos tipos de alimentos que os participantes no estudo ingeriram no lugar de gorduras saturadas.

Por exemplo, em um estudo com 252 homens britânicos que sofreram ataques cardíacos, o fato de fazerem uma dieta de baixa gordura e alto teor de carboidratos reduziu seus níveis de colesterol em meros 5% e virtualmente não teve efeito sobre ataques cardíacos futuros. Os carboidratos que eles consumiam eram principalmente farinhas e açúcares refinados, com baixo teor de fibras, que promoviam ganho de peso e diabetes, dois dos mais importantes fatores de risco para doenças cardíacas.

A equipe notou que na América do Norte e Europa o efeito da redução de gorduras saturadas foi essencialmente negado pelo consumo maior de grãos refinados, sucos de frutas, sobremesas e lanches doces e bebidas adoçadas com açúcar.

Os cientistas observaram que não foram testados até hoje os benefícios cardiovasculares da substituição de gordura na dieta por carboidratos saudáveis, ricos em nutrientes, e alimentos ricos em fibras, como grãos integrais, verduras, frutas e legumes.

Mas os estudos recentes que analisaram os efeitos de nutrientes específicos mostraram que, quando 5% das calorias de gorduras saturadas foram substituídas por um número igual de calorias de gorduras poli-insaturadas, gorduras mono-insaturadas (como óleos de oliva e canola) ou carboidratos de grãos integrais, o risco de doença cardíaca coronariana caiu em respectivamente 25%, 15% e 9%.

Além disso, quando gorduras poli e mono-insaturadas tomam o lugar de gorduras saturadas, caem os índices de mortalidade por câncer, demência e doenças pulmonares, além de doenças cardíacas e AVCs.

Em outras palavras, se você quiser realmente se conservar saudável, procure seguir uma dieta de estilo mediterrâneo, rica em alimentos de origem vegetal e óleos vegetais insaturados e tendo como principal fonte de carboidratos os grãos integrais como o arroz integral e triguilho, frutas e vegetais.

Sacks disse que os conselhos a tirar das pesquisas revisadas são simples. “Consuma poucas gorduras saturadas, como manteiga, laticínios integrais, carne bovina e suína gorda, óleo de coco ou azeite de dendê, e substitua-as por óleos vegetais naturais ricos em poli-insaturados –óleos de milho, soja, açafrão-bravo, girassol, amendoim, nogueira e uva”.

Também são saudáveis o óleo de canola e azeite de oliva, ricos em mono e poli-insaturados.

Walter Willett, professor de epidemiologia e nutrição na escola de saúde pública de Harvard, disse que, com base na Pesquisa Nacional de Saúde e Nutrição, hoje quase metade das calorias na dieta americana vem dos carboidratos, e quase 80% dessas são de amidos refinados, açúcar e batatas.

“A dieta americana mediana não é muito saudável”, disse Willett.

O professor de epidemiologia descreveu a gordura do leite e derivados do leite como não tão boa quanto as gorduras vegetais, mas que também não é tão nociva quanto outras gorduras animais.

Ainda segundo Willet, não é preciso abrir mão completamente do queijo, mas o consumo de laticínios deve ser limitado a uma porção a cada um a três dias, e não três porções diárias.

Quanto ao óleo de coco, Sacks disse: “É a gordura nutricional da moda, mas não foi comprovado que seja saudável”.

Segundo ele, o óleo de coco é bom para ser usado sobre o corpo, como hidratante da pele ou dos cabelos, mas não necessariamente dentro do corpo, mesmo que ingeri-lo em pequenas quantidades não deva ser prejudicial.

 

Fonte: The New York Times, tradução de Clara Allain para a Folha de São Paulo. Publicado no dia 18.03.2018