Faltam remédios e estrutura, diz cubano símbolo do Mais Médicos

NATÁLIA CANCIAN MARINA DIAS DE BRASÍLIA

Assim que desembarcou em agosto de 2013 no aeroporto de Fortaleza (CE), o médico cubano Juan Delgado, 51, foi recebido com vaias e gritos de “escravo”, numa espécie corredor polonês organizado por médicos brasileiros.

O momento –planejado como um protesto contra a vinda de estrangeiros para atuar no Mais Médicos– acabou por torná-lo um símbolo do programa, que agora completa dois anos.

Ao longo desse período, sua imagem foi utilizada em campanhas eleitorais, tanto de lados contrários como favoráveis ao projeto, uma das principais bandeiras sociais do governo Dilma Rousseff.

Longe dos holofotes, Delgado afirma viver outro embate, ainda mais complexo: o de atuar com poucos recursos em uma área carente de cuidados na saúde.

O cubano divide a semana entre visitas a cinco aldeias do interior do Maranhão, onde atende diariamente cerca de 20 a 30 índios das etnias kaapor e guajá.

Para dar conta dessa demanda, dorme em uma rede e pede ajuda para índios que falam português. A maioria dos diagnósticos é de gripe, anemia e desnutrição, doenças que mais afetam a saúde nas aldeias dessa região.

“Eles não tinham médicos há dois anos”, conta ele, que, após as férias em Cuba, passou por Brasília na semana passada, a convite do Ministério da Saúde, para evento de dois anos do Mais Médicos –que, segundo o governo, atende 63 milhões de pessoas.

POSTO DE QUALIDADE

Além da comunicação, há outras dificuldades. A principal delas, diz, é “ter um posto de saúde de qualidade”.

“Falta tudo. Faltam medicamentos, e é difícil marcar exames”, relata Delgado.

Analgésicos e antialérgicos estão entre as principais ausências nas prateleiras.

Em casos urgentes, para conseguir medicamentos, pede ajuda à Secretaria Municipal de Saúde de Zé Doca, cidade mais próxima às aldeias e a 363 km de São Luís.

O encaminhamento dos pacientes é outro gargalo. “Demora até seis meses para conseguir vaga com um especialista”, conta o cubano. Em Zé Doca, por exemplo, só há um hospital disponível.

Outra dificuldade, afirma, é cultural, como lidar com as crenças dos índios sobre o tratamento de crianças doentes. “Já falei: ‘Tem que tomar medicamento e ficar no hospital’. E eles dizem: ‘Não, doutor. Essa criança não presta’.”

Apesar das dificuldades, Delgado acha que o cenário tem melhorado. “Os governantes estão abrindo seu pensamento [para a necessidade de investir em saúde].”

BOLSA PARA A FILHA

Formado há 22 anos, ele havia atuado em outras duas missões fora do país de origem antes de vir ao Brasil, como a epidemia de cólera no Haiti. Depois, voltou a Cuba, onde trabalhava em um consultório médico de família –espécie de posto de saúde local.

Deixou no país a filha, de 17 anos, para quem envia os R$ 2.976 que recebe como bolsa. Questionado, evita opinar sobre o valor. “É o que firmamos em acordo com o governo”, afirma ele, que se sustenta com uma ajuda de custo de cerca de R$ 2.500 para alimentação e moradia.

Mesmo com os percalços no atendimento, Delgado diz que o aprendizado na saúde indígena tem valido a pena e, por isso, planeja estender seu contrato, previsto inicialmente para acabar no ano que vem. “Vou pedir para ficar.”

Fonte: Folha de S.Paulo