Esperança de cura

Quando o problema é a saúde, o homem tende a reagir não apenas de forma racional, mas muitas vezes agregando um forte componente emocional que o faz acreditar que nenhuma doença é mais forte do que ele, exercitando seu sentimento da esperança.

Ao longo de algumas décadas atuando como cirurgião e tendo cuidado de muitíssimas centenas de pacientes com câncer, aprendi que a esperança é legítima e fundamental. Meu primeiro paciente com câncer tinha um tumor avançado, sem condições de tratamento e, segundo seus médicos anteriores, iria sobreviver apenas alguns meses, que foi o que realmente aconteceu.

Em seu leito de morte, ele, agradecido, me fez a seguinte observação: “Você é jovem e preciso lhe dizer: nunca tire totalmente a esperança de alguém, como fizeram comigo”. Porque é justamente a esperança que nos dá alento para combater as intempéries e barreiras do dia a dia, mesmo quando essas parecem intransponíveis.

No caso do câncer, onde tantas surpresas acontecem, por que não acreditar nos efeitos de um novo medicamento, de uma planta, de uma bênção, de uma cirurgia não convencional ou até mesmo espiritual? Raras vezes, em toda minha vida profissional, vi pessoas aceitarem a ineficácia dos tratamentos e esperarem o fim da vida com leveza.

Contudo, existe um óbice: a esperança vã não deve ser oferecida, muito menos vendida. Escrevo este texto pensando nas pessoas que recentemente se empolgaram com a fosfoetanolamina, divulgada de modo viral pelas redes sociais e pela mídia escrita e televisiva.

A cura do câncer é desejada por qualquer paciente, mas não cabe depositar esperanças em alternativas não comprovadas cientificamente.

Não fosse a metodologia científica desenvolvida nas últimas décadas –que inclui testes iniciais em animais ou em laboratório e, a seguir, “in anima nobile”, com o objetivo de se definir doses eficazes e efeitos colaterais indesejáveis– seria impossível aquilatar o impacto dos diversos tipos de tratamento disponibilizados para as doenças, em especial o câncer, e assim tornar possível, hoje, curar-se cerca de 60% dos casos.

Ora, a fosfoetanolamina nunca foi devidamente estudada e, dessa forma, é injusto com todos os pacientes que buscam curar ou controlar seus tumores malignos ser divulgada como salvadora da pátria.

Um outro problema é o da obtenção de medicamentos por via judicial, que, diga-se de passagem, cria sinucas de bico para os juízes, que têm que decidir sobre questões que não lhe são familiares. Esse caminho custa para o nosso sistema público de saúde algo como R$ 1 bilhão por ano para atender casos nos quais nem sempre se justifica o emprego do medicamento solicitado.

O paciente precisa ter esperança, mas esta não pode ser inconsequente. O ditado “mal não faz” aqui não se aplica.

Fonte: Folha de S.Paulo