Envelhecer bem como um País, dependerá de todos

Em um País onde a população de idosos triplicará nos próximos 20 anos, alcançando cerca de 88,6 milhões de pessoas (39,2% da população), há a necessidade de novos modelos assistenciais, o que acarreta uma infinidade de mudanças não só no caminho do cuidado percorrido pelo usuário, mas também nas relações entre os players do setor, na formação dos profissionais, no desenvolvimento de tecnologias específicas e políticas públicas.

O médico geriatra Carlos André Uehara, também diretor executivo do Centro de Referência do Idoso da Zona Norte de São Paulo (CRI-Norte), trabalha para instituir um modelo mais integrativo, remodelando a lógica assistencial pensada no início do século passado. “Hoje o modelo ainda é médico-centrado e ‘hospitalocêntrico’, baseado na doença aguda”, lembrando que a demanda que vem por aí é de doenças crônicas não transmissíveis, que exigem cuidado contínuo e constante, “o que muda toda a lógica da atenção”, ressalta ele, que participou do debate: “O envelhecimento pede um novo modelo de negócio?”, promovido pela Live Healthcare Media, no último mês de maio.

Assim como as instituições hospitalares, os planos de saúde também foram idealizados para atender doenças que supostamente vão ser curadas. Por essa razão assistimos o estrangulamento das margens de lucro das operadoras, hoje em torno de 2%, e o encarecimento dos planos para os idosos, que chegam a custar quase R$ 1.500 por mês, segundo pesquisa do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) em São Paulo.

Enquanto a Europa demorou 50 anos para dobrar a parcela de sua população idosa, o Brasil envelhece na metade desse tempo, com um agravante: o fato de ainda presenciar surtos de doenças agudas, como a dengue, e mais de 130 mil mortes por traumas todos os anos, de acordo com informações do Datasus/2010.

PARA ONDE E COMO?
A mesa de debate – composta também pela geriatra e diretora médica de relações comerciais e medicina preventiva da Geriatrics, Patrícia Cristina Ferreira; pelo pesquisador da UFRJ e gerente institucional do Instituto Mongeral Aegon, Antônio Leitão; e pelo CEO do Hospital São Cristóvão, Valdir Ventura -, chegou ao consenso de que o futuro está na saída do modelo centrado no hospital e no médico para uma assistência compartilhada, com foco no paciente. “É preciso sair da questão de saúde. O ser humano precisa de outros cuidados, não apenas de remédios”, comenta Uehara.

Com o norte do caminho traçado, a resposta mais difícil é a que responde o “como”. O grupo Geriatrics, que oferece entre outros serviços o home care, parte do princípio de que é fundamental identificar o perfil do idoso para traçar o plano assistencial. “Existe o idoso ativo e saudável e aquele que está doente. Eles não podem ser tratados da mesma maneira como são tratados hoje”, aponta Patrícia.

Antônio Leitão acrescenta outro aspecto à discussão ao defender que a capacidade funcional deve ser a régua que mede o idoso. Para ele, os serviços devem ser pensados em torno da capacidade funcional e não apenas da prevenção. “É preciso focar em reabilitação precoce, trabalho que depende muito do indivíduo. Parece chavão, mas colocar isso em prática é um grande desafio”, diz o executivo.

Há quatro anos, a operadora verticalizada São Cristóvão enfrentava dificuldade com uma taxa de 80% de idosos internados e média de 62 anos de idade dos beneficiários do plano. Na época, a organização não tinha estratégias específicas para os idosos e optou por oxigenar a carteira investindo em serviços pediátricos. Hoje a média de idade da carteira é de 37,5 anos, porém o problema com os custos elevados ainda continua.

Atualmente o São Cristóvão possui diferentes programas com foco no idoso e investe em sistema de TI para engajá-los. “Além disso, contamos muito com a ajuda do médico”, ressalta Ventura.

O clamor por um novo modelo assistencial, pressionado entre outros fatores pelo envelhecimento, depende de todos, motivo da tamanha dificuldade, afinal, os conceitos que delineiam o novo caminho, como colaboração, medicina integrativa e assistência compartilhada, são extremamente recentes para o setor de saúde brasileiro que ainda pena com os preceitos básicos de gestão.

O QUE CADA UM PODE FAZER?

Prestadores e/ou Operadoras
HOME CARE: adequada ao perfil de um\a população mais envelhecida, a assistência domiciliar deve crescer nos próximos anos, pois é indicada para quem precisa de um cuidado contínuo, realizado por uma equipe multidisciplinar, e muitas vezes evita a permanência prolongada no hospital, assim como diminuição dos riscos de infecção em ambientes hospitalares, reinternações desnecessárias e otimização do tempo de recuperação do paciente.

CUIDADOS COM A TRANSIÇÃO: sem equipamentos complexos, sem laboratórios e salas cirúrgicas, e com no máximo 60 leitos, o valor deste tipo de unidade está na equipe interdisciplinar e na proximidade com o paciente. Em geral, com um quadro estável, o paciente necessita apenas de um cuidado extensivo para sua recuperação ou adaptação a sequelas decorrentes de processos clínico, cirúrgico ou traumatológico. Estima-se que até 25% dos leitos hospitalares privados no Brasil estão ocupados por internações de longa permanência, alvo desses serviços intermediários.

RECOMPENSA: a operadora britânica VitalityLife é exemplo do modelo de bonificações para quem cuida de sua saúde, prática que tem chamado a atenção de operadoras brasileiras. A Vitality oferece benefícios para usuários aderentes aos programas de envelhecimento ativo. Por meio de parcerias com estabelecimentos como supermercados e monitoramento de dados, até em tempo real, a empresa mede o quanto o paciente está cuidando de sua saúde e concede descontos no plano mediante os resultados positivos.

PROGRAMAS DE ADESÃO: menos de 30% dos pacientes aderem a tratamentos de longa duração. Por isso programas que conscientizem os pacientes sobre a importância do medicamento ou tratamento são fundamentais. Fatores como uma relação próxima e de confiança entre o enfermeiro e o paciente tendem a motivar o beneficiário a aderir às orientações, assim como mostrar-lhes que o poder de decisão está nas mãos dele.

GAMIFICATION: é uma das ferramentas utilizadas em programas de saúde digital voltados à adesão ou uso contínuo. O conceito refere-se ao uso do pensamento por meio da mecânica de jogos em contextos alheios aos video-games com foco no envolvimento dos usuários na resolução de problemas, dentre eles, de saúde.

SOCIEDADE: elo importante para a conscientização de que o idoso não é sinônimo de falta de produtividade, algo muito reforçado no passado e que gradualmente vem perdendo força.

Sob o olhar da inclusão, os debatedores citaram exemplos que disseminam a construção de um novo modelo, como o Guia Global Cidade Amiga do Idoso, publicado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que adapta as estruturas e serviços de uma cidade para que sejam acessíveis e promovam a inclusão de idosos com diferentes necessidades e graus de capacidade; o desenvolvimento de novos símbolos, espalhados pela cidade, que identificam áreas reservadas a idosos sem remetê-los a dificuldades, como o uso de bengalas; universidades para a terceira idade; iniciativas que promovam trocas entre gerações, como o exemplo da escola de inglês CNA que passou a conectar alunos, crianças e adolescentes, a idosos moradores de asilos em Chicago, nos Estados Unidos. Batizada de Speaking Exchange, a campanha do grupo ensinou, mais do que inglês aos jovens, a possibilidade de trocar ideias, experiências e afeto entre gerações; a criação da Aliança Global Aging 2.0, que procura mobilizar outros agentes, como engenheiros, arquitetos, para pensarem como a atuação deles pode dialogar com o processo do envelhecimento.

Todos vislumbram um País que assuma a importância de cada indivíduo fazer o seu papel em prol de uma sociedade mais saudável, na qual já não caberão as justificativas de que é “porque falta dinheiro”, “faltam geriatras”, “falta vontade política”, entre outras infinitas possibilidades de falta.

Fonte: Site Saúde Business 365